Cadê os projetos de desenvolvimento?

24 de outubro de 2019 às 0h01

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A linha de pobreza compreende pessoas que vivem com menos de US$ 5,50 por dia. A de extrema pobreza é fixada em US$ 1,90 por dia. Crédito: Divulgação

Cesar Vanucci *

“Os mais pobres ficaram mais pobres e os mais ricos ficaram mais ricos”. (Maria Lúcia Vieira, gerente da Pnad, do IBGE)

Pesquisa recente do IBGE eleva a índice ainda mais desconfortável o desalento que povoa a alma nacional. Deixa estridentemente evidenciada a falta de capacidade das lideranças nestes atuais momentos da vida brasileira, em conduzirem ações consentâneas com a vocação de grandeza do País.

A estagnação econômica é realidade palpável e dolorosa. O desemprego e o subemprego chegam a patamares desnorteantes. Na arena política, dominada pelas tricas e futricas de sempre, pelas querelas miúdas, nascidas da visão estrábica de líderes, em elevado quantitativo, despojados de sensibilidade social, arrojo empreendedor e sentimento nacional, predomina um vazio atordoante de ideias. Hora alguma, em nenhum setor de referência ligado às ações encetadas pelos poderes decisórios, ouve-se uma palavra apenas, um murmúrio tímido que seja, a propósito de um magno projeto nacional de desenvolvimento econômico e social, consonante com as aspirações ardentes da sociedade.

As reformas essenciais ficam no blá-blá-blá. Encaixam, em debates pífios e estéreis, prevalecentemente desdobrados em sites na internet, argumentos inconsistentes, que não tocam o fulcro das questões. A alardeada intenção de promovê-las é abalada pela vociferação inócua e ridícula de questiúnculas ideológicas desconstrutivas, que só se aprestam para acirrar ânimos e gerar a desarmonia. Os temas vitais, que reclamam diálogo amplo e propositivo, são negligenciados. Os procedimentos observados no jogo político, processado com base na troca de favores, do “dá cá, toma lá”, das manobras maquiavélicas, são sem tirar nem pôr os mesmos utilizados no passado. Isso suscita a lembrança de que essas posturas eram veementemente questionadas, dando causa a peremptórias promessas de que seriam banidas da cena pública. Mas as promessas estão sendo chutadas descerimoniosamente pra escanteio.

Nos “anos dourados” do injustiçado e hoje idolatrado Juscelino Kubitschek de Oliveira, para ficar no exemplo mais frisante da crônica do desenvolvimento econômico e social brasileiro, os projetos de fazer deste País de prodigiosas riquezas uma potência jorravam com impetuosidade que nos estimulava alimentar esperanças, sonhos, utopias na contemplação do futuro. Num período de 5 anos, que pareceram 50, o Brasil ergueu num nada territorial uma majestosa capital. Implantou industrialização de ponta. Construiu rodovias, usinas elétricas. Favoreceu um fervedouro de obras. Alavancou o progresso pra valer. Estimulou a criatividade e o empreendedorismo. As conquistas civilizatórias, em curtíssimo espaço de tempo, graças a lideranças detentoras de fecundidade de ideias e a projetos elaborados com engenho e competência, impactaram positivamente a economia.  Espalharam benefícios sociais à mancheia, repercutindo esplendidamente em todos os segmentos. Os avanços detectados no projeto brasileiro de desenvolvimento fizeram brotar cintilantes manifestações na seara da cultura, da arte, do esporte e assim por diante.

Que baita diferença, Santo Deus, entre as coisas do Brasil daquele tempo e o Brasil dos dias de hoje! Onde estão os homens providos de grandes ideias e poder realizador? Onde se meteram, a ponto de não serem identificados ao primeiro olhar, os fazedores de progresso “na linha jusceliniana”?

É nesse cenário acabrunhante, aguçado pela comparação trazida à reflexão dos leitores neste momento, que o IBGE, instituição altamente confiável, possuidora de quadros técnicos de invejável qualificação, comparece a público para revelações que ratificam a aflitiva sensação de que as coisas andam realmente funcionando mal neste país rico, bonito pela própria natureza, de potencialidades inesgotáveis. A metade da população – 104 milhões de compatriotas – vive com apenas 413 reais por mês. A desigualdade de renda bateu recorde em 2018. As injustiças, na escala dos rendimentos, atingem clamorosamente gêneros e raças. Para cada R$ 100 recebidos por um homem, uma mulher ganha, em média, R$ 79. Os mesmos 100 reais pagos a uma pessoa branca caem para 56 quando o cidadão é negro. A renda domiciliar per capita dos 5% que ganham menos, caiu 3,8% em um ano. Em todo o País, 10,4 milhões de criaturas (5% da população) sobrevivem com 51 reais em média por pessoa, conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad).

As evidências de que as desigualdades vêm se agravando ficam clamorosamente estampadas em outros dados, como os que se seguem, extraídos das apurações técnicas do IBGE. A renda média per capita é ainda menor – apenas 269 reais –, se considerados na avaliação global os 30% mais pobres, ou seja, o equivalente a 60,4 milhões de pessoas. No outro extremo da avaliação de renda, o 1% melhormente aquinhoado na distribuição da riqueza – somente 2,1 milhão de pessoas – ostenta no quadro renda média mensal per capita de 16,297. Noutras palavras, a fatia mais abastada da população ganha perto de 40 vezes mais que a metade da base da pirâmide populacional.

O patamar auge da pesquisa do IBGE atingido em 2018 levou a gerente da Pnad, Maria Lúcia Vieira, a dizer que no nosso Brasil “os mais pobres ficaram mais pobres e os mais ricos ficaram mais ricos”.

Parando, por ora, por aqui. Tudo isso é muito doloroso.

*  Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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