Alugar sem garantia é irracional

30 de janeiro de 2019 às 0h01

Kênio de Souza Pereira*

Alugar imóveis no Brasil sempre envolveu riscos, seja com a perda da capacidade de pagamento do inquilino, seja com a negativa deste em consertar os danos que causou no imóvel no momento da desocupação. É comum ocorrer atritos entre o locador e o inquilino, pois têm interesses antagônicos, sendo notório que muitas pessoas só cumprem suas obrigações contratuais mediante um processo judicial. A experiência de décadas comprova que mais de 80% dos fiadores dos inquilinos fazem de tudo para não pagar a dívida da locação. O fiador só paga a dívida quanto vê que seu imóvel foi penhorado e em vias de ser levado a leilão. Essa tem sido a regra.

Diante dessa realidade e da dificuldade em obter fiadores, surgiu na década de 90 o Seguro de Fiança Locatícia. A Companhia Seguradora, em respeito às normas da Superintendência de Seguros Privados (Susep), consta na apólice os dados do locador como beneficiário, o nome do inquilino, os dados da locação, tudo nos termos dos artigos 37, 39 e 41 da Lei do Inquilinato, que exige que o seguro garanta a totalidade das obrigações do inquilino.

Por ser um negócio de alto risco, já que a inadimplência decorre de várias situações (desemprego, separação do casal, falecimento, atritos com o locador, danos do imóvel, etc), o mercado exigiu uma garantia razoável. Assim, todas as companhias de seguros, desde 1992, estipularam que a apólice garante até 30 vezes a valor do aluguel, mínimo esse que nunca foi reduzido.

É com base em garantias concretas que as imobiliárias sérias, com décadas de experiência, trabalham, pois têm como foco proteger o locador. Geralmente, se utilizarem a garantia representada por dois fiadores (sendo obrigatório que pelo menos um deles seja proprietário de um imóvel) ou do Seguro de Fiança Locatícia. Quase nenhum locador aceita caução, pois o limite do depósito de três meses de aluguéis, representa uma garantia muito frágil, um décimo do que garante o Seguro Fiança. É possível ainda, a imobiliária tradicional aceitar o Título de Capitalização, desde que o inquilino deposite em torno de 20 aluguéis como garantia, podendo o locador saca esse depósito somente no caso de inadimplência.

O risco de prejuízos numa locação é tão expressivo que várias companhias seguradoras, nos últimos 25 anos, não conseguiram manter o Seguro Fiança Locatícia. Diante da inadimplência, várias saíram desse mercado. As Cias. de Seguro União, Rural e Phenix encerraram as atividades e não constam mais na Susep. Depois vieram as Cias. Sauex, que atuou até abril de 2001, a Martinelli até março de 2003, e a Interbrasil que desistiu em junho de 2005.

Por último a Seguradora Cardif, que atuou com grande empenho em 2015, tendo inclusive sido a seguradora da Startup 5º Andar, tendo se desvinculado dessa imobiliária virtual em 2017, deixando assim seus clientes locadores sem qualquer garantia real, ou seja, sem o Seguro Fiança Locatícia nos termos da Lei do Inquilinato. E agora, no final de 2018, a notícia é que a Seguradora Cardif também saiu desse mercado por não lhe trazer a desejada rentabilidade. Realmente, promover locação não é para amadores!

Entretanto, de maneira incrível, temos constatado algumas startups, denominadas imobiliárias virtuais, desprovidas de patrimônio imobiliário capaz de garantir nem sequer alguns contratos, prometendo garantir milhares de locações em várias cidades. Isso causa espanto. Se nem companhias seguradoras que possuem bilhões de reais conseguiram garantir as locações, como as startups podem prometer que pagarão os inúmeros aluguéis em dia e os danos nos imóveis? Importante ressaltar que para uma companhia seguradora operar, a Susep exige que ela tenha uma enorme reserva financeira, sendo que algumas fazem parte de conglomerados bancários.

Agora, uma startup imobiliária, com pequeno capital financeiro agir como se fosse uma companhia seguradora é demais! Só uma pessoa muito crédula pode acreditar na propaganda na qual afirma que garante tudo, digo melhor, nessa mentira. Para provar que é inverdade, basta o proprietário do imóvel exigir que a imobiliária, seja ela tradicional ou virtual, apresente sua Declaração de Imposto de Renda com os registros imobiliários do patrimônio que seja capaz de garantir milhares de aluguéis, além dos IPTUs, quotas de condomínios, pinturas e reparos dos imóveis locados. Se o fizer, não será enganação a propaganda na qual afirma: “o jeito fácil de alugar e morar, aluguel rápido, sem fiador e com segurança”, se dizendo inovadora em promover a locação rápida, de forma simples e descomplicada.

Nada mais ilusório que a propaganda da startup utilizar-se de locadores recentes, que não tiveram ainda seus imóveis desocupados pelos inquilinos sem fiadores e sem seguro fiança, dizendo que eles assinaram os contratos, na praia e pelo celular. Realmente, os marqueteiros da startup imobiliária não divulgam que na verdade esses dois contratos, que só são apresentados ao locador após o inquilino ser encontrado, possuem 176 cláusulas e 199 parágrafos. O contrato de prestação de serviços entre a imobiliária virtual e o locador tem 16 páginas, 85 cláusulas e 94 parágrafos, enquanto o contrato de locação firmado entre o inquilino e o locador tem 19 páginas, 91 cláusulas e 105 parágrafos, sendo que até especialistas têm dificuldade de compreender a redação confusa, que faz o leitor se perder ao ter que retornar a leitura de várias cláusulas interligadas.

Provavelmente, por não serem simples os contratos, como divulgado nas propagandas, é que o locador assina sem ler e sem perceber os riscos que serão descobertos somente no momento que ocorrer o conflito com o inquilino. Ficará evidente a inexistência de garantia e a startup colocará um robô para responder os e-mails com as reclamações por não ter escritório na cidade para atender pessoalmente o locador.

*Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG, Diretor Adjunto da Abradim-MG – Associação Brasileira de Direito Imobiliário

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