Crimes eleitorais: o fim da Lava Jato?

8 de março de 2019 às 0h01

Marcelo Aith*

O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá no próximo dia 13 de março definir o futuro da operação Lava Jato, conforme alardeado pelos integrantes do Ministério Público Federal do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. A Corte Superior julgará agravo regimental interposto contra decisão do ministro Marco Aurélio Mello, nos autos no Inquérito 4.435-DF, que declinou da competência para apuração dos crimes imputados ao deputado federal Pedro Paulo Carvalho Teixeira e ao ex-prefeito Eduardo da Costa Paes, por entender não estar presente, na espécie, os requisitos estabelecidos pelo STF para o reconhecimento do foro por prerrogativa de função.

Assevere-se que os investigados pretendem a reconsideração da decisão de declinação da competência para que seja mantida a investigação na Corte Suprema.

Instada a se manifestar, a Procuradoria Geral da República posicionou-se nos seguintes termos: a) que a investigação relativa ao fato de 2014 continue tramitando perante o Supremo Tribunal Federal; b) que a apuração referente ao fato de 2010 seja remetida para livre distribuição na Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro; c) que seja suscitada questão de ordem, a ser examinada pelo Pleno do Supremo, visando definir o alcance da competência criminal eleitoral e, após a solução: c.l) que a investigação concernente ao artigo 350 do Código Eleitoral – fato de 2012 – seja remetida para livre distribuição na Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro; e c.2) que a investigação relativa aos artigos 317 e 333 do Código Penal; artigo 22 da Lei n° 7.492/1986; e artigo 1º da Lei n° 9.613/1998 – fatos atinentes ao ano de 2012 – seja remetida a uma das Varas Federais Criminais da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.

Destarte, tendo em vista a questão de ordem manejada pela PGR, a Corte estará diante de um grande desafio ao examinar o Agravo Regimental interposto pelos investigados.

Duas questões fundamentais deverão ser objeto de decisão pelo Plenário da Corte: a) competência por prerrogativa de função e; b) competência especial da Justiça Eleitoral para apurar os crimes cometidos durante as eleições. A decisão sobre estas questões selará o destino do Inquérito 4.435-DF.

Para correta compreensão da matéria há que se socorrer do julgamento ocorrido em 3 de maio de 2018 (AP 937), oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, firmou entendimento, reinterpretando a Constituição da República, que o foro por prerrogativa de função somente será aplicado aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Com efeito, considerando este novo entendimento da Corte Suprema, os fatos delitivos apontados pela Procuradoria Geral da República para a abertura do inquérito contra deputado federal Pedro Paulo e o ex-prefeito Rio de Janeiro Eduardo Paes foram cometidos antes que o parlamentar tivesse sido empossado no cargo, dessa forma, não há que se falar em competência do Supremo na espécie.

Todavia, remanesce ainda a dúvida em relação à competência da Justiça Eleitoral ou da Justiça Federal para apurar os fotos. Em relação ao ano de 2010, a própria Procuradoria Geral da República sinalizou como correta a competência da Justiça Eleitoral, razão pela qual vou me ater aos fatos ocorridos em 2012 e 2014.

A investigação relativa ao fato de 2014 não há dúvida de que deve ser remetido à Justiça Eleitoral, uma vez que se trata de doação de campanha não contabilizada na eleição para deputado federal de Pedro Paulo.
Relativamente ao ano de 2012, o Ministério Público Federal imputa aos investigados a prática dos seguintes delitos: artigo 350 do Código Eleitoral; artigos 317 e 333 do Código Penal (corrupção ativa e passiva); artigo 22 da Lei 7.492/1986; e artigo 1º da Lei n° 9.613/1998.

É incontroverso que todos os fatos ocorridos em 2012 decorreram de doações de campanha para a prefeitura municipal do Rio de Janeiro. Portanto, há uma inequívoca conexão entre eles, que pela leitura simples do “caput” do artigo 79 do Código de Processo Penal implicaria na reunião dos processos. Entretanto, o desafio da Suprema Corte não se afigura tão simples assim, senão vejamos.

Os incisos do artigo 79 trazem as exceções à regra da reunião dos processos que tenham por objeto os crimes conexos. A conexão não implicará unidade de processos nos casos de concurso entre jurisdição comum e a militar (inciso I) ou entre a jurisdição comum e a do juízo da infância e juventude (inciso II).

Aparentemente as exceções não alcançam os crimes eleitorais, que pela especialidade atrairiam a competência para exame de todos os fatos conexos. Dessa forma, todos os crimes imputados aos investigados deveriam ser remetidos à Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro.

O Supremo, por sua Segunda Turma, já decidiu nesse sentido, quando do julgamento da Pet 6986 AgR-ED, relator ministro Dias Toffoli, julgado em 28/08/2018: “O entendimento firmado nos autos está em harmonia com a jurisprudência da Corte no sentido de que, havendo conexão entre crimes de competência da Justiça Eleitoral e crimes de competência da Justiça comum, prevalecerá a primeira”.

No entanto, não se pode olvidar que parte da doutrina, capitaneada pelo Professor Gustavo Henrique Badaró, propõe uma releitura do inciso I do artigo 79 do Código de Processo Penal. Eminente professor das Arcadas acentua que:”O inciso I do caput do art. 79 do CPP precisa ser relido à luz da organização judiciária prevista na Constituição de 1988 e da repartição de competência prevista nesta Carta constitucional, pois o CPP entrou em vigor sob a égide da Constituição de 1937, que havia extinguido a Justiça Eleitoral e a Justiça Federal, sendo mantida apenas a Justiça Militar como “Justiça Especializada”, com competência expressamente prevista em regra constitucional. Ou seja, todas as causas que não fossem de competência da Justiça Militar competiam à Justiça dos Estados, a única justiça comum prevista no regime autoritário da era Vargas. Nesse contexto, portanto, uma interpretação conjunta da então vigente organização constitucional do Poder Judiciário com o CPP permitia concluir que o art. 79, I, dispunha que, no caso de concurso entre, de um lado, jurisdição especial com competência constitucionalmente estabelecida, e, de outro, justiça comum com competência residual, a conexão ou continência não produzia seu efeito de impor a união dos processos, com a prorrogação de competência de um órgão jurisdicional em detrimento de outro”.

Dessa forma, tem-se aqui dois caminhos que podem ser adotados pela STF. A reunião dos fatos delitivos para serem apurados na justiça especializada (Justiça Eleitoral) ou fazer uma releitura do inciso I do artigo 79 do CPP em cotejo com a Constituição e cindir a apuração dos crimes.
Qualquer seja a decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal não haverá risco algum a Operação Lava Jato como alardeado pelo Procurador da República Deltan Dallagnol

*Especialista em Direito Criminal e Direito Público

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