Pequenas crescem no vácuo das gigantes

27 de dezembro de 2018 às 0h05

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Até o final de 2018, o Grupo Leitura vai inaugurar sete unidades na Capital, São Paulo e Rio, e também vai reimplementar o serviço de e-commerce - Alisson J. Silva

Nos últimos três meses, o mercado livreiro brasileiro sofreu alguns dos maiores sobressaltos da história. Primeiro a rede de livrarias Cultura recorreu à recuperação judicial para tentar se salvar e, em novembro, foi a vez da Saraiva usar o mesmo expediente. Juntas, as duas redes devem algo em torno de R$ 1 bilhão e são responsáveis por cerca de 35% das vendas do setor.

Os motivos para o desastre anunciado, que deu origem ao que hoje é conhecido como a “crise das livrarias”, são muitos, além de problemas de gestão das marcas: a crise econômica ainda enfrentada pelo Brasil, os baixos índices de leitura do brasileiro, a concorrência feita por players não tradicionais como supermercados e catálogos de venda direta, os clubes de assinatura e o comércio on-line.

De acordo com uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a recessão na economia foi responsável pelo decréscimo de 21% no segmento editorial entre 2006 a 2017. Isso corresponde a uma perda de R$ 1,4 bilhão.

Mas como toda crise é, também, uma oportunidade para alguém, analistas apostam que redes regionais e livrarias independentes, se bem administradas e com foco no negócio, podem se sair fortalecidas depois da tempestade.

Leitura – Em Belo Horizonte, o grupo Leitura, por exemplo, até o final de 2018, vai inaugurar sete unidades na Capital, São Paulo e Rio de Janeiro, e também vai reimplementar o serviço de e-commerce. Assim, a empresa vai encerrar o ano com 70 pontos de vendas em 19 estados brasileiros. Já o número de postos de trabalho diretos deverá chegar a 2 mil no fechamento deste exercício, sem contar os outros 500 empregos temporários que a empresa gera a cada ano, entre dezembro e fevereiro. Para 2019, o presidente do grupo, Marcus Teles, promete manter o ritmo, levando a marca para novos mercados como Espírito Santo e Acre.

“Em 2018 sobre 2017, todo o setor do livro deve crescer cerca de 9%, descontada a inflação cerca de 5%. As livrarias que estão em crise vivem um problema que veio de uma guerra de preços na internet somada à crise econômica do Brasil. Então, é uma crise pontual de duas redes que apertou todo o mercado editorial. A Leitura, por exemplo, não tem nenhuma dívida, conseguimos passar essa crise com alguma dificuldade em 2015 e 2016, mantivemos as lojas com lucro, fechamos as deficitárias e estamos conseguindo crescer. O importante nas livrarias menores é ter um atendimento personalizado, que conheça o cliente e não ter dívidas”, ensina Marcus Teles, presidente da rede Leitura.

Para o presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), Bernardo Gurbanov, o acontecido com as redes Cultura e Saraiva é reflexo de um problema que se arrasta há mais de uma década. O arrefecimento da crise econômica pode ser o começo de uma recuperação que não deve ser fácil.
De acordo com relatório elaborado pela consultoria GFK, em parceria com a ANL, o canal especializado (livraria) apresenta um crescimento de 3,6 % em faturamento no ano, enquanto os demais canais cresceram 10,8%. O retrato sobre o comportamento do varejo no mercado do livro no Brasil em setembro de 2018, comparativamente ao mesmo período de 2017, apresenta uma recuperação no mercado de livros, em valor comparado com o ano anterior, de +4,2%.

“Vivemos uma queda nas vendas há mais de 10 anos, acentuada a partir de 2014. Começamos agora uma lenta recuperação. Precisamos entender que os tempos do varejo são diferentes. No varejo tem um termômetro mais sensível do humor social. Quando a situação fica mais clara o consumidor se anima. Já a produção de um livro é demorada, enquanto o consumo imediato. As livrarias estão estocadas, isso explica essa aparente contradição entre a crise estrutural e o desempenho”, avalia Gurbanov.

Para o executivo, as redes regionais e livrarias independentes podem ocupar um vazio em um novo mercado que surge a partir da crise e também das necessidades de um novo consumidor, que exige por experiências diferenciadas.

“Nos pequenos estabelecimentos a decisão é muito mais rápida e em uma organização grande, como Saraiva e Cultura, as mudanças que ocorrem na economia são muito rápidas. O eletrônico é a filial mais rentável, chegando a 30% do volume de vendas de quem trabalha as duas plataformas. Hoje, o segredo é a aproximação e personalização com o cliente. Os clubes de assinatura, por exemplo, estão ocupando um espaço atendendo um público com necessidades específicas, produzindo tiragens especiais e entendendo um mercado que ainda está surgindo”, destaca o presidente da ANL.

Caminho inverso – E é nesse caminho, de entender quais as novas exigências do consumidor, que o Grupo Acaiaca (que compreende a Distribuidora Acaiaca, a Acaiaca Digital – distribuidora de e-books -, o site de e-commerce e a loja física Outlet de Livro) fez o caminho inverso, partindo da internet para o mundo físico.

O CEO do grupo, José Henrique Guimarães, esteve em Belo Horizonte para inaugurar a primeira unidade de rua da Outlet de Livro – livraria que nasceu on-line – em outubro. A iniciativa visa complementar a estratégia omnichannel, que permite a integração e a navegação entre os diferentes tipos de plataforma, sejam elas digitais ou físicas. A livraria trabalha com um acervo de mais de 80 mil livros e com descontos que alcançam até 90%.

Nas prateleiras estão apenas livros novos, desde infantis, literatura e poesia, até livros didáticos, técnicos, jurídicos, de medicina e importados.

“Não é só a má gestão que explica o caos vivido por Saraiva e Cultura. E não é só no Brasil que isso aconteceu. A Borders Group, segunda maior cadeia de livrarias dos Estados Unidos, fechou em 2011. Também existem fatores como o custo do dinheiro no Brasil, já que as grandes redes trabalham com capital bancário e um descuido com a curadoria dos títulos. O futuro das livrarias é uma volta às origens, com uma boa seleção de produtos, e eficiência. Além disso, tem que existir um motivo para que a pessoa saia de casa. Os consumidores pedem por experiência”, completa Guimarães.

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