Quem assume prejuízos de uma locação mal feita

22 de maio de 2019 às 0h01

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Crédito: Filó Alves

Kênio de Souza Pereira *

Há proprietários que alugam seus imóveis diretamente para os inquilinos pensando que essa transação é simples ou para evitar o pagamento da comissão mensal à imobiliária. Ignoram os diversos cuidados técnicos e jurídicos que devem ser tomados antes de se assinar um contrato de locação e dar a posse do imóvel ao inquilino. Depois, quando o inquilino deixa de pagar os aluguéis, IPTUs e quotas de condomínio, realiza obras irregulares ou causa danos ao imóvel e afronta o proprietário em diversas situações, este se arrepende.

Diante do elevado custo dos processos judiciais que terá que pagar para resolver os problemas ou promover o despejo, o locador procura uma imobiliária para entregar esse “problema”. Não se trata mais de prestação de serviços de “administração da locação”, mas sim da contratação para resolver litígios jurídicos que talvez não existissem se a locação tivesse sido iniciada de maneira profissional, com um cadastro bem elaborado, com um contrato redigido com cláusulas apropriadas às particularidades do caso e com o devido conhecimento da complexa Lei do Inquilinato.

Assumir esses “traumas e vícios” de um negócio mal feito com o recebimento apenas da comissão de 10% sobre o valor do aluguel é impossível, pois esse honorário é irrisório diante do custo com os procedimentos jurídicos necessários para que o locador volte a ter a respeitabilidade na relação. Em vários casos é necessário promover o despejo do inquilino indesejado, sendo um processo moroso e complicado.

Deverá ainda ser avaliada, após a ação de despejo, a necessidade de propor a ação de cobrança e execução para receber a dívida, bem como o risco de insucesso no recebimento desta por falta de garantias. Até o advogado do locador, ao vencer a causa, fica no prejuízo quando não existem bens para garantir o pagamento dos seus honorários de sucumbência. É comum o inquilino ou o fiador só pagar a dívida mediante a penhora e o leilão do imóvel do garantidor, sendo que a experiência comprova que aceitar fiador sem patrimônio imobiliário é arriscado.

O mesmo problema ocorre quando um investidor compra um imóvel que já esteja ocupado por um inquilino. O novo adquirente, que deseja manter a locação, ao entregá-la para uma imobiliária administrar, essa não sabe sobre a qualidade do cadastro, da vistoria e do contrato que foi realizado anteriormente, podendo ser lastimável. Não pode o locador exigir que a nova imobiliária assuma problemas que não existiriam se ela tivesse realizado o negócio conforme seus critérios. Não há como ignorar o passado, obrigar o inquilino antigo a obter novos fiadores é tarefa quase impossível.

O problema se torna mais grave nas locações realizadas por startups imobiliárias que promovem as locações sem qualquer garantia, pois essas agem como se todo mundo fosse honesto e cumpridor dos seus deveres. Quando o inquilino deixa de pagar os aluguéis e encargos, pois não tem fiadores para pressioná-lo a cumprir a obrigação e nem bens para servirem de garantia, o locador acaba tendo que contratar um advogado especializado e uma imobiliária que trabalhem com seriedade e profissionalismo, arcando com novos honorários que poderiam ser evitados se tivesse agido com mais cautela no início. 

Após o locador transferir a posse do imóvel para o inquilino, torna-se difícil a nova imobiliária obrigar que o inquilino ofereça novas garantias ou fiadores com patrimônio. A autoridade de exigir tais garantias é exercida com facilidade antes de assinar o contrato. Depois disso, estando o inquilino acomodado e utilizando o imóvel há anos, somente com a boa vontade dele ou com a determinação do novo adquirente desejar romper a locação poderá vir a obter novos fiadores.

Entretanto, há casos que diante de o inquilino se mostrar incapaz de melhorar o cadastro e as garantias, o locador prefere arriscar e deixa a locação transcorrer por estar o aluguel dentro do preço de mercado, sendo pago pontualmente, pois assim evita a perda da renda com a desocupação.

Ocorrendo tal situação, não pode o locador reclamar da nova imobiliária – que é mera prestadora de serviços e não fiadora – que assume uma locação em andamento quando ocorrer inadimplência e os prejuízos com a falta de condições de receber a dívida, já que não há garantias, pois quem colocou o inquilino dentro do imóvel agiu de forma amadora e inconsequente.

O proprietário precisa entender: se comprou o imóvel com o inquilino já na posse, anuiu com as exatas condições do contrato anteriormente efetivado. Significa dizer que arcará com as consequências, sem muitas condições de se revoltar. Se quer encerrar a locação com a compra, deve providenciar o despejo por “denúncia vazia” e assim disponibilizar o imóvel para uma nova locação e dessa maneira a imobiliária escolherá de forma criteriosa quem ocupará o imóvel.
 
*Advogado – Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG, Diretor Adjunto em MG do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim)

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