Bolsonaro 03: um espartano na diplomacia

27 de julho de 2019 às 0h01

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Crédito: Paola de Orte/Agência Brasil

Tilden Santiago*

Um amigo, deputado federal mineiro, da órbita do presidente Jair Bolsonaro, cerca um mês atrás, me telefonou para dizer que o presidente em uma reunião informal lembrou que ele chegou à Câmara Federal em 1990 rodeado de parlamentares de esquerda: dr Miguel Arraes, José Dirceu, Vladimir Palmeira, Jaques Vagner, Eduardo Jorge, Aroldo Lima, José Genuíno, Irma Passsoni, Maria da Conceição Tavares, José Fortunati e esse escriba mineiro.

Tomávamos cafezinho em pé perto do plenário. Conversamos sobre política, futebol, o Brasil e o mundo. O Vladimir por morar no Rio, conversava com o capitão deputado mais frequentemente. Na época, nenhum de nós poderia prever Jair Bolsonaro, do baixo Clero, no Planalto. Convivi com ele por 3 mandatos (1990 a 2002) doze anos, quando segui para embaixada de Havana permanecendo ele na Câmara onde fez política por 28 anos.

Na semana passada, fui surpreendido por ele ter justificado a indicação do seu filho, Eduardo Bolsonaro, o 03, para a embaixada em Washington, citando o fato de ter Lula me enviado para Cuba como embaixador do Brasil.

É meu dever para com nossos leitores esclarecer como as coisas aconteceram. Exerci o mandato diplomático por 4 anos, que era extensivo também a Antíga e Barbuda, que fazia parte do Reino Unido. Algumas observações do presidente Bolsonaro merecem correção, já que falhou sua memória …

Não perdi a reeleição para deputado federal, como afirmou o presidente capitão, até porque não concorri convicto de que, na autêntica democracia representativa, ninguém deve alugar a vaga de deputado por mais de 3 mandatos consecutivos.

Em 2002, a composição musical-literária de um amigo do Clube da Esquina inundou Minas, levando a população a cantar: “ Lula lá, Nilmário aqui, Tilden no Senado”. A onda Lula saiu vitoriosa no segundo turno. Nilmário Miranda beirou os 30% como candidato a governador, vencendo Newton Cardoso no primeiro turno e perdendo apenas para Aécio Neves. Esse escriba se orgulha de ter tido mais de 3 milhões e trezentos mil votos para senador, perdendo para Eduardo Azeredo, ex-governador, com pouco mais de 4 milhões de votos e para o colega jornalista Hélio Costa, 20 anos de telinha da Globo no programa Fantástico, com três milhões e meio de votos.

Foi essa votação surpreendente que levou Lula a me indicar para a embaixada do Brasil em Havana, pesou também o companheirismo na luta sindical e política em Minas e na Fenaj, nossa federação em Brasília. Quando Lula liderava os metalúrgicos no País, esse escriba, jornalista e professor na PUC Minas e na UFMG, ex-padre operário, após a prisão política, liderava os profissionais de imprensa mineiros.

Os 3 milhões e trezentos mil votos para senador pesaram na minha indicação, assim com pesa hoje o fato de ser Eduardo Bolsonaro o deputado mais votado história da República. Pesou também a confirmação pela sabatina do Senado, quando tive apenas um voto contrário (da esquerda do PDT), e 14 votos favoráveis, inclusive Antônio Carlos Magalhães, da Bahia, que ao votar, homenageou Fidel Castro.

Outro fator que pesou na indicação foi o fato de ter esse escriba vivido, na juventude, 6 anos no exterior, dominando vários idiomas, além do português: francês, italiano, inglês, espanhol, alemão, flamengo, latim, grego e um pouco de hebraico, aramaico e árabe.

Numa segunda-feira, após a vitória parcial no primeiro turno, Lula veio a BH agradecer o apoio de Itamar Franco: “Não sei se mando seu secretário de Meio Ambiente (Semad) para Palestina ou para Cuba. O próprio Lula preferiu a ilha do Caribe.

Sei que outras circunstâncias pesaram na decisão de Lula: o fato de ser padre operário, metalúrgico soldador e serralheiro por 30 anos entre gentios, judeus, gregos e troianos, em diferentes culturas – como apóstolo itinerante mensageiro da paz, lendo os evangelhos, a bíblia lá onde ela foi vivida e escrita. O profeta Isaías abençoava os pés dos mensageiros que corriam pelas montanhas anunciando a paz e o entendimento entre as nações.

Esse escriba teve a graça de pisar em 36 países, de ter domicílio em 9 e ter morado e trabalhado em 17 cidades, entre elas Nazaré, Jerusalém, Belém, Lago de Genezaré e Roma.

Lula era um operário inteligente, um nordestino retirante e intuitivo, com cultura técnica do Senai que estimava seus companheiros e amigos intelectuais amantes da filosofia, da sociologia, da teologia, da ciência, do conhecimento, do saber universal. Ele tinha o dom de ler as pessoas como Darcy Ribeiro.

Um conselho para Eduardo Bolsonaro 03, caso seja aprovado na sabatina do Senado: peça ao seu chanceler ou secretário-geral no Itamaraty que nomeie um ministro conselheiro competente, perspicaz que fique ao seu lado todo tempo em Washington garantindo o bom funcionamento da rotina na embaixada, enquanto você se ocupará com tranquilidade das tarefas mais políticas e transcedentais junto ao governo, ao presidente Donald Trump, à sociedade norte-americana, ao corpo diplomático e aos partidos Republicano e Democrata. Se possível, convença seu pai a transferir a embaixada do Brasil de Ramalla, junto aos Palestinos para Jerusalém.

A política divide para ter poder. Tem gente que não consegue fazer política sem definir inimigos. A diplomacia unifica, aproxima indivíduos e nações. A política tem gerado guerra! A diplomacia a paz! Os bolsonaros são naturalmente mais espartanos que atenienses. Esse escriba, apaixonado com a filosofia, a sociologia, a psicanálise, a utopia, o humanismo, a tolerância e a democracia.

*Jornalista, embaixador e filósofo

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