Extinção da Justiça do Trabalho: quem ganha, quem perde?

14 de fevereiro de 2019 às 0h01

Alexandre Euclides Rocha*

Após pronunciamento do atual governo sobre a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho, surgiram manifestações de entidades ligadas ao órgão, entre elas, a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, o Ministério Público do Trabalho – MPT e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

A meu ver, o Poder Judiciário está sendo tomado como o “bode expiatório” para todos os problemas do País. O papel e a importância da Justiça do Trabalho necessitam ser melhor esclarecidos para a população. Assim, para compreender a sua importância é necessário retornar aos séculos XVIII e XIX e assimilar o período histórico que impulsionou o surgimento do conjunto de normas e princípios jurídicos que regem as relações de trabalho nos dias de hoje.

Tanto a entidade quanto as leis são resultados do mundo capitalista. Surge o Direito do Trabalho após a revolução industrial, quando passou a ser comum e predominante o trabalho remunerado. Os primeiros trabalhadores assalariados nas fábricas surgiram na Inglaterra e, posteriormente, na França, os quais foram explorados e tratados de forma desumana. Homens, mulheres e crianças trabalhavam em jornadas extenuantes, sem folga e sem qualquer segurança ou garantia. Neste momento também surgiram as máquinas a vapor, todavia, o trabalho ainda era inseguro. 

Diante de condições degradantes, os empregados passaram a protestar e exigir melhores condições, melhores salários e mais segurança. Tais reivindicações só eram ouvidas, e eventualmente atendidas, quando partiam de um grupo grande e não de apenas um empregado, que podia ser descartado e substituído facilmente. Em decorrência desta união surgem as primeiras associações de trabalhadores, que posteriormente deram ensejo a criação dos sindicatos.

O Direito do Trabalho, por sua vez, é consequência dos conflitos que passaram a existir entre os grupos de trabalhadores e seus empregadores. Situações que eram muitas vezes violentas, causando agressões e até mortes, além de máquinas quebradas e fábricas incendiadas. A mais pura e cruel luta entre o capital e o trabalho. No entanto, a sociedade passou a exigir um pronunciamento do Estado para regular os problemas sociais. A hostilidade, que conturbava a ordem, também não era admitida pelos demais cidadãos. Portanto, as primeiras regras vieram para regular esta nova modalidade de relação, entre empregado e empregador. Por isso, hoje contamos com um poder judiciário trabalhista especializado.

Pode-se dizer então que a  Justiça do Trabalho é um grande amortecedor social. Ela se coloca entre o trabalhador e a empresa, para que havendo algum tipo de conflito seja possível encontrar uma solução rápida, justa e isenta perante uma justiça especializada, atuante e célere.

Segundo dados do IBGE, aproximadamente 33 milhões de trabalhadores têm carteira assinada e cerca de 20 milhões de trabalhadores potenciais. Dessa forma, caso a economia efetivamente se aqueça e volte a gerar empregos, a Justiça do Trabalho atingiria mais de 50 milhões de trabalhadores para os quais é essencial a existência de um órgão isento que possa restabelecer a justiça e o equilíbrio entre as partes.

A Justiça do Trabalho pode ter ignorado os efeitos econômicos e sociais de suas decisões? Sim, em alguns casos é possível que tenha havido certo exagero nas decisões em favor dos empregados, mas não na maioria. A existência de situações que podem até ser consideradas equívocos deste segmento do Poder Judiciário não podem servir para justificar o fim de um ramo especializado da Justiça, especialmente quando a maior parte das ações trabalhistas tratam de pagamento de verbas rescisórias, FGTS, horas extras, ou seja, direitos básicos do trabalhador.

É preciso reconhecer que já houve significativa mudança na legislação trabalhista, que resultará em mudanças nos posicionamentos da Justiça do Trabalho. A reforma trabalhista ocorrida em novembro de 2017 conseguiu reduzir o número de ações e também alguns desequilíbrios legais e processuais que existiam nas relações e nas ações trabalhistas.

Em sentido contrário do que vem sendo apregoado por muitos, não é a Justiça ou o Direito do Trabalho que interfere na economia, mas sim a economia é que reflete diretamente nas relações de trabalho. Muitas vezes, os empregadores deixam de cumprir a legislação por questão econômica, por priorizar o pagamento de determinadas obrigações (tributos, fornecedores, dentre outras), deixando o direito do trabalhador de lado.

A par das discussões constitucionais sobre a legalidade da proposta, ninguém ganha com a ideia de extinção da Justiça do Trabalho. A sociedade como um todo perde. Empresas e empregados perderão, por deixar de existir este robusto amortecedor social que suaviza os choques entre esses dois importantes atores sociais, empregados e empregadores.

Desse modo, não é a Justiça do Trabalho que impede o crescimento do País. O Brasil deixou de crescer por inúmeros motivos, especialmente pelos equívocos em sua gestão, por corrupção sistêmica, por uma política de compadrio, baixo investimento em educação, saúde e infraestrutura, entre outras coisas. Se houver crescimento econômico, emprego pleno e salário digno, a importância da Justiça do Trabalho pode reduzir naturalmente, mas jamais a culpa pelo não crescimento econômico do País.

  • Coordenador do Grupo de Intercâmbio de Experiências Trabalhistas da AHK Paraná (Gietra)  e advogado trabalhista empresarial

Tags:
Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

Siga-nos nas redes sociais

Comentários

    Receba novidades no seu e-mail

    Ao preencher e enviar o formulário, você concorda com a nossa Política de Privacidade e Termos de Uso.

    Facebook LinkedIn Twitter YouTube Instagram Telegram

    Siga-nos nas redes sociais

    Fique por dentro!
    Cadastre-se e receba os nossos principais conteúdos por e-mail