Fotografia, invento brasileiro

27 de setembro de 2018 às 0h01

“Não disputarei descobertas a ninguém…” (Hércules Florence, num comunicado feito em Capinas, em 1834)

Ocupamo-nos, recentemente, neste acolhedor espaço, da história pouco conhecida do Padre Azevedo, paraibano que viveu no século XIX, inventor da máquina de escrever. Relatamos, escorados em documentação levantada pelo historiador Miguel Milano, as cruéis circunstâncias em que se forjou o clamoroso esbulho que dele retirou a paternidade da portentosa invenção.

A divulgação da referida história estimulou-nos a trazer aqui outra revelação, pela mesma forma surpreendente, a respeito da participação brasileira em mais uma invenção fabulosa.

Na história das invenções não são raros casos assim. A um mesmo tempo, como se a ideia, antes de aflorada, estivesse a germinar no inconsciente coletivo, uma invenção, um processo de criação ou aperfeiçoamento técnico, que acabam tendo, adiante, paternidades diferentes, são anunciados em lugares distanciados entre si. Isso sem que os responsáveis pelas realizações se liguem por vínculos de qualquer ordem, como, para exemplificar, a uma pesquisa desenvolvida em comum. Aconteceu desse jeito, também, com a fotografia, esta infalível testemunha ocular da história.

A crônica do invento assinala que, praticamente à mesma época em que Daguerre (1893) maravilhava os franceses com a notável façanha de fazer imprimir aspectos da realidade cotidiana numa lâmina de metal, após rápida exposição à luz e alguns poucos minutos de manipulação numa câmara escura, um outro francês, imigrante radicado em Campinas, São Paulo, conseguia captar impressionantes imagens com a ajuda de câmara de fabricação caseira. Aliás, a bem da verdade, a proeza de Hércules Florence, o imigrante morador da Vila São Carlos (Campinas), pelo que se conclui da documentação histórica disponível, reproduzida esplendidamente em enciclopédia da Editora Abril, antecedeu em cerca de seis anos o lançamento do chamado daguerreótipo, denominação pelo qual ficou mundialmente popularizado o invento de Louis Jacques Mandé Daguerre.

As experiências a que Florence se consagrou, limitadas em suas repercussões ao ambiente provinciano de pequena faixa territorial de um país-continente, desprovido, na época, de estrutura de comunicação digna de nota, pouco difundido no plano internacional, chegaram ao conhecimento popular em 1833.

Nas pesquisas foram empregadas substâncias como nitrato de prata e o cloreto de ouro. A fixação de imagens em papel viabilizou-se com o auxílio de urina e amoníaco cáustico. Foi em 1834, janeiro, que Florence batizou sua descoberta, utilizando-se de construção idiomática muito ao sabor da época: photografie. Os jornais brasileiros, ao anunciarem o aparecimento do daguerreótipo, procuraram ouvir o imigrante inventor que morava em Campinas. No comunicado que distribuiu, Hércules Florence fixou uma posição que concorreria, no futuro, de algum modo, para que o seu nome se mantivesse encoberto pelas névoas do esquecimento público: “Não disputarei descobertas a ninguém, porque uma mesma ideia pode vir, ao mesmo tempo, a duas pessoas.”

A origem primeira da arte fotográfica, hoje tão poderosamente incorporada ao nosso trabalho, ao nosso lazer, a todas as atividades humanas e que ganhou prodigioso, inimaginável impulso nesta nossa era digital, perde-se no fundo dos tempos. As primeiras notícias sobre um conhecimento rudimentar da matéria fizeram-se conhecidas no século IV aC. Sabia-se, então, que a luz solar, penetrando em quarto escuro através de orifício, projeta nas paredes imagens do exterior. No século XI, os árabes empregaram, dentro de critérios práticos, para observação dos eclipses, esse método primitivo de se fazer imagens, já então conhecido pelo nome de câmara escura.

Depois de lapso de tempo relativamente amplo, em que esteve praticamente à margem de quaisquer cogitações científicas, o processo praticamente foi retomado, no século XVI, por Leonardo Da Vinci. O fenômeno da captação de imagens encontrou neste genial homem do mundo um sopro renovador.

“A imagem de um objeto iluminado pelo sol penetra num compartimento escuro através de um orifício. Se colocarmos um papel branco do lado de dentro do compartimento, a alguma distância do orifício, veremos sobre o papel a imagem com suas próprias cores, porém invertida, devido à intercessão dos raios solares.” Estabelecia-se, naquele momento, três séculos antes que surgisse a primeira fotografia de Hércules Florence, aqui no Brasil, um princípio básico da máquina de tirar retratos.

Falaremos, na sequência, dos desdobramentos objetivos da descoberta de Da Vinci.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

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