Interferência de Bolsonaro enfraquece bandeira de campanha

31 de agosto de 2019 às 0h03

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Crédito: Marcos Corrêa/PR

Brasília – O presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu a bandeira de campanha de intransigência no combate à corrupção ao interferir diretamente na gestão de órgãos como a Receita Federal, a Polícia Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), com efeitos ainda imprevisíveis para sua gestão e a disputa de 2022, avaliaram autoridades e especialistas ouvidos pela Reuters.

Sob o lema “interfiro mesmo, se é para ser um banana estou fora”, Bolsonaro fez duras críticas públicas à gestão desses órgãos, o que tem motivado mudanças de pessoal e em suas estruturas. Mas há quem diga que essas alterações esvaziam o discurso anticorrupção do governo e lançam suspeitas sobre as intenções da mudança e o trabalho dos órgãos.

Especialistas cobram maior liberdade de atuação para os órgãos que foram alvos das investidas do presidente – que ainda anunciou que escolherá um novo procurador-geral da República com perfil alinhado ao governo.

Para Gil Castello Branco, secretário-executivo da ONG Contas Abertas, as intervenções surpreendem porque contrariam o discurso de campanha do presidente, umas das principais bandeiras das eleições. Para ele, as ingerências ocorreram pelo fato de terem chegado perto de parentes ou pessoas próximas a Bolsonaro.

Castello Branco critica o que considera ser um pacto velado entre governo, Judiciário e Legislativo para que o combate à grande corrupção não avance. “A sensação que eu tenho é que há um pacto que, em nome da governança, pode levar à impunidade”, disse.

“Receio que, em nome da governança, do crescimento e do desenvolvimento, se prejudique o combate à corrupção. Pode gerar um pacto pela impunidade”, disse ele, acrescentando que o país caminha a passos largos para isso. Ele criticou também a morosidade do Legislativo em aprovar, por exemplo, o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

“Devassa” fiscal – Na Receita, o secretário especial, Marcos Cintra, trocou o número 2 após Bolsonaro ter dito que havia “problemas” no órgão e que sua família tinha sido alvo de “devassa” fiscal.

No caso do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o órgão foi o que mais entrou na órbita das queixas do presidente e também de parlamentares.

No início do governo, por conta da medida provisória que alterava a estrutura do governo federal, o Coaf estava na alçada do Ministério da Justiça e Segurança Pública, comandado pelo ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro. Mas na votação da MP, o Congresso devolveu o Coaf para o Ministério da Economia.

Em mais um movimento, na semana passada, o governo editou nova MP transferindo o órgão para o Banco Central e, com modificações, rebatizando-o de Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Bolsonaro justificou a mudança para tirar o Coaf do “jogo político”. O pano de fundo, entretanto, contou com o fato de o Coaf ter feito relatórios apontando movimentações financeiras atípicas na conta do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e o depósito de um cheque de 24 mil reais na conta da primeira-dama, Michele Bolsonaro.

A pedido de Flávio, o STF suspendeu um inquérito contra ele e, numa extensão, todas as investigações no país que tenham por base o compartilhamento de informações da Receita, do BC e do Coaf com o Ministério Público sem autorização judicial.”As últimas decisões do governo e do Supremo têm efeitos deletérios no sistema de controle”, disse Fabiano Angélico, pesquisador da Fundação Getulio Vargas com experiência nacional e internacional em temas ligados à transparência governamental.

“Há um prejuízo enorme para o país não só de impunidade, mas na confiança das instituições democráticas e isso envolve a agenda macroeconômica atual”, acrescentou.

No caso da PF, sob a alegação de problemas na produtividade, o presidente chegou a defender publicamente a troca de Ricardo Saad, superintendente da corporação no Rio de Janeiro – berço político de Bolsonaro -, e até sugeriu um nome para substituí-lo, atitude que abriu uma crise interna e pressionou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e Moro, a quem a polícia é subordinada.Bolsonaro recuou depois disso, mas a troca será efetivada – o escolhido é o delegado Carlos Henrique Oliveira de Souza, que estava em Pernambuco e não foi o nome sugerido pelo presidente.

O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva, disse que foram “surpreendidos” com a possibilidade de mudança da PF no Rio, uma vez que houve até melhoria nos resultados de produtividade naquele Estado na atual gestão.

Ele disse que não é comum o presidente se envolver em nomeação de cargos do “quarto escalão”, mas ao final a corporação mostrou “maturidade institucional” para se manifestar contra qualquer tentativa de mudança interna.

”O governo tem uma narrativa que está preocupado com locais de aparelhagem ideológica. Não sei se é para intervir nas investigações, fica ao sabor das interpretações. Para nós, é preciso ter um sistema viável”, disse ele, que também colocou em dúvida o papel de Moro na defesa da autonomia da PF diante do silêncio do ministro após as declarações do presidente. (Reuters)

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