MP da Liberdade Econômica
18 de maio de 2019 às 0h01
Christian Sahb Batista Lopes *
No último dia 30 de abril, foi editada a Medida Provisória nº 881/2019, chamada de MP da Liberdade Econômica. Mereceram especial destaque na mídia a dispensa de requisitos burocráticos de alvarás para atividades econômicas de baixo risco, a desobrigação da autorização prévia para testes de produtos e serviços que não representem perigo e liberação da atividade econômica tacitamente, caso a administração pública não se manifeste no prazo fixado. Entretanto, a MP tem abrangência bem maior e, caso convertida em lei, trará mudanças significativas em várias áreas do Direito.
A espinha dorsal da MP é o art. 3º, que estabelece o que se chamou de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Em seus dez incisos, traz regras e princípios que poderão ser invocados tanto pelo cidadão que desejar empreender em face da administração pública quando por pessoas em suas relações negociais. Dentre as primeiras, destaca-se o direito a receber tratamento isonômico dos órgãos quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica.
Em outros termos, o entendimento de um fiscal ou outro funcionário público com relação a determinado cidadão deve ser o mesmo com relação a outras pessoas em situação semelhante, criando uma vinculação de entendimentos administrativos.
A medida é de fundamental importância para maior segurança jurídica ao empreendedor, embora deva se reconhecer que será, provavelmente, de difícil implementação.
Dentre os princípios que afetam relações privadas, destaca-se o reforço à autonomia da vontade, à vinculação à palavra dada e à presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, valores que foram diluídos a partir da Constituição de 1988 e, mais acentuadamente, do Código Civil de 2002.
Nesse sentido, a MP ressalta que as estipulações das partes prevalecerão com relação às normas legais nas relações empresariais. A definição do alcance desse dispositivo trará desafios interpretativos, pois, levado ao extremo, todas as normas passariam a ser facultativas nos chamados negócios jurídicos empresariais.
Em linha com os preceitos da Declaração acima referida, a MP altera dispositivos do Código Civil e da Lei de Falência, reforçando a limitação de responsabilidade da pessoa jurídica, também bastante desgastada na prática, pela fixação de critérios mais pormenorizados para a desconsideração da personalidade e para a extensão dos efeitos da falência a sócios, administradores e sociedades do mesmo grupo econômico.
Estabelece ainda a possibilidade de que as partes instituam critérios para a revisão judicial de contratos, na hipótese de eventos extraordinários, e vincula a controversa função social do contrato à Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, conferindo um norte mais seguro para sua interpretação.
Por fim, destaca-se a ampliação das possibilidades em que a Fazenda Nacional fica dispensada de contestar, oferecer contrarrazões ou interpor recursos em casos em que o indivíduo tem razão e a União muito provavelmente sairia perdedora no processo.
O alargamento dessas hipóteses deve ensejar não apenas para o tratamento mais justo do cidadão relativamente à administração pública, como também para a redução do número de ações repetitivas no Poder Judiciário, contribuindo para sua racionalização.
- Advogado, sócio de VLF Advogados Vilas Boas, Lopes e Frattari. Professor da Faculdade de Direito da UFMG
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