Rivadávia Drummond – “Funcionário não chega, todos os dias, disposto a inovar, a dar ideias”

24 de novembro de 2018 às 0h15

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Ele chama os empreendedores brasileiros de heróis, acredita que inovação tem mais a ver com gente do que com tecnologia e ensina que a experiência e o “ser parte de algo” devem substituir os treinamentos corporativos cheios de “blá, blá, blá”. Mineiro e “cria da UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais”, o professor Rivadávia Drummond participou do evento “Conexões Humanas”, realizado pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), na última quarta-feira.

Ele, que também é global business developent officer na Arizona State University, nos EUA, falou a um público de empresários e profissionais de RH sobre a inovação como um exercício de resolução de problemas. Ele também conversou com o DIÁRIO DO COMÉRCIO e falou sobre a função do RH no século 21, o desafio da inovação em tempos de crise e as competências do profissional do futuro.

Inovação é o assunto da vez, mas como as empresas podem fazer isso na prática?
É importante a gente colocar a inovação em perspectiva dentro da organização. Por que as organizações buscam inovar?

Porque querem crescer. A segunda questão é: o que essa organização entende por inovação? Quando cada um tem uma definição do que é inovação dentro de uma empresa, ninguém tem o conceito. Eu gosto de definir inovação assim: é quando a organização cria valor na interface entre a sua tecnologia e seus modelos de negócios. A inovação tecnológica tem a ver com produtos, serviços e processos. E a inovação nos modelos de negócios tem a ver com proposta de valor, cadeia de suprimentos e cliente. É um negócio muito técnico, mas, no fundo, o que gosto de frisar é que a inovação envolve tecnologia, mas a tecnologia não é o fim em si dentro da inovação. Para tentar responder o que é inovação eu digo às pessoas para esquecerem um pouco a tecnologia e pensarem: qual é o problema que sua organização quer resolver? Como ela torna a vida do cliente mais fácil, simples, barata, eficiente, interessante, divertida? Eu detesto aspirar a casa, então comprei um robô-aspirador que faz isso sozinho. Eu não comprei o atributo técnico, mas um produto que vai realizar um trabalho que eu não quero fazer.

Se inovação não se trata apenas de tecnologia, então se trata de pessoas. Como elas são a chave de processos inovadores?

É bom desmistificar a ideia de inovação porque as pessoas tendem a pensar que se trata apenas de algo que vai mudar o mundo. Não é assim: 80% dos investimentos em inovação em qualquer organização são para melhoria contínua. E nesse sentido, o componente “pessoas” é fundamental. Quem é que é capaz de criar, imaginar, compreender problemas e traduzi-los de uma forma tangível? Pessoas. Mas, a organização precisa entender que pessoas não chegam, todos os dias, dispostas a inovar, a dar ideias. É preciso criar um contexto para que isso aconteça. O que acontece é que a informação e o conhecimento são vistos como poder e aí as pessoas pensam: por que eu vou compartilhar isso? O que eu ganho com isso? Outra questão é: como eu estimulo a criatividade das pessoas? Todos somos criativos e podemos inovar, mas se não praticar não consegue fazer acontecer. Quando eu penso nas pessoas que vão liderar a inovação eu não penso em competências tecnológicas, mas de comunicação, capacidade de engajamento de pessoas, compreensão da estratégia, mobilidade para se conectar com pessoas que estão dentro e fora da organização, capacidade de experimentar e não ter medo de errar. O problema é que a gente tem uma cultura empresarial onde não é permitido errar, onde as pessoas não são incentivadas a dar ideias.

Qual o papel do RH no século 21?

O RH precisa entender que o processo de capacitação dos executivos mudou. Não adianta mais blá, blá, blá porque o que muda comportamento não é a fala. A fala pode inspirar, mas o que muda o comportamento é a experiência. Em vez de eu deixar o sujeito ali só ouvindo alguém falar é melhor eu responsabilizá-lo pela cocriação do conhecimento. Ele tem que construir um protótipo, criar um modelo de negócios, produzir uma solução. É preciso mudar esse mindset dos gestores de RH do Brasil. Não dá pra ficar na lógica da década de 70, é preciso imaginar os desafios que vêm por aí no desenvolvimento de pessoas. O que vai sobrar pras pessoas fazerem na 4ª Revolução Industrial? Vai sobrar pesquisa de ponta, criatividade, cuidar de gente. Não dá pra manter as práticas do passado e achar que vai produzir resultado em um mundo dinâmico, fluído e com altíssimo grau de incerteza.

Mas e nesse cenário de crise econômica e crise de confiança? Como o RH vai alimentar a inovação em um ambiente com equipes enxutas e pouco motivadas?

O RH tem uma oportunidade espetacular no tempo de crise porque ele terá uma fartura de talentos disponíveis no mercado para contratar. Ele pode trazer um talento a um custo relativamente baixo. Além disso, a empresa que está vivendo a crise precisa se reinventar. Seja em produto, serviço, processo ou modelo de negócio. Para isso ela terá que criar um contexto para que as pessoas se sintam à vontade para propor, dar ideias, serem criativas. Tem que incentivar e orientar as pessoas a pensarem novos caminhos, novas oportunidades. O caminho é esse apesar de não ser fácil. No momento de crise todo mundo fica muito pessimista, mas as crises são cíclicas: vive-se um momento de bonança e outro de crise. A questão é aproveitar a crise para repensar o negócio, contratar gente inteligente, criar um contexto de confiança, de criatividade e inovação para desenhar alternativas para o futuro. As organizações não vão sobrevier se não se reinventarem.

Muito se fala em habilidades e nem tanto mais em formação universitária. As universidades vão acabar?

Essa é uma discussão que existe, mas eu acho uma balela. As universidades nunca vão acabar e acho que elas nunca estiveram mais relevantes. Mas eu acho que a gente vai ter alternativas à universidade. Ela vai ter que redesenhar e redefinir seu próprio papel. Eu sou professor de alguns cursos em uma universidade de Hong Kong e também no Arizona e não tenho nenhum contato com alunos. E são cursos que não deixam nada a dever a um presencial. Teremos que usar novas tecnologias e ser mais criativos nessa área a educação. Muitos professores resistem porque ninguém gosta de mudança, a gente foi programado pra rotina. Mas eu sempre aconselho aos professores: procurem aprender sobre as novas tecnologias porque agora a água ainda é limpa. Se você começar agora vai poder criar, fazer coisas inovadoras, novos formatos. É muito mais fácil dizer que as uvas estão verdes e que não dá pra fazer. Para quem não quer fazer tudo é problema, mas quem quer fazer acaba resolvendo a questão.

O mundo vive momento de fechamento de fronteiras e de fortalecimento do nacionalismo. Como isso pode atrasar a inovação dentro das organizações?

Eu moro nos Estados Unidos e eu não concordo com boa parte das coisas que o presidente Trump diz, mas a economia vai muito bem obrigado. Nunca se produziu tanto, nunca se inovou tanto, a economia está praticamente a pleno emprego. Acho que a alternância de poder é importante em qualquer país, como está acontecendo no Brasil. A questão é que nos EUA as coisas funcionam muito bem porque as instituições são fortes, então a confiança não está só no Poder Executivo. O cidadão americano confia na sua Suprema Corte, no seu Senado, no seu Congresso, na instituição pública. A prova que a gente faliu na gestão pública aqui no Brasil é o despachante: você precisar de um despachante para intermediar um serviço burocrático. Se as instituições são fortes e têm políticas inclusivas e não extrativistas, o país funciona. Até com um presidente maluco funciona porque ele não vai conseguir executar as maluquices porque as instituições funcionam. Mas vamos perguntar pros brasileiros se confiam no Supremo ou no Congresso? Que país no mundo onde políticos são flagrados com malas de dinheiro e nada acontece? E em que país também os cidadãos criticam a corrupção e fazem gato da TV a cabo e dão dinheiro pro guarda?

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