Um direito a ser resguardado

31 de agosto de 2018 às 0h03

Há, no Congresso Nacional, 156 projetos de lei envolvendo a atuação dos planos de saúde. As empresas, inconformadas com decisões judiciais adversas, valem-se do Legislativo em busca de um tratamento capaz de eximi-las das obrigações a que ficaram sujeitas.

Dados provenientes de levantamento feito pela Faculdade de Medicina da USP mostraram que 1/3 das reclamações envolvia reajustes abusivos. No total das demandas intentadas entre 2013 e 2014, cerca de 92,41% dos julgados foram favoráveis aos consumidores, que só não obtiveram êxito em 7,61%.

Esse quadro concorreu para que o STJ e algumas Cortes estaduais imprimissem novos rumos à sua jurisprudência. Para isso, atuou o governo federal através da Advocacia-Geral da União, alegando que se o Judiciário persistisse nessas condenações, o Ministério da Saúde, que foi onerado em mais de R$ 1 bilhão, não poderia mais atender as necessidades primárias da população.

Trata-se de um processo de esvaziamento da Lei 8.078/90 (CDC), que garante aos prejudicados uma atenção condizente com as suas necessidades. A campanha encetada pelas empresas que exploram essa atividade conflita com o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que prescreveu o direito de todo cidadão em submeter ao Judiciário pretensão relativa à lesão ou ameaça de direito.

Por se tratar de direito subjetivo, a ingerência do Poder Executivo, em sintonia com os planos de saúde na Justiça, importa em grave desacerto que deve ser denunciado. O direito de ajuizar ações é uma conquista histórica, que surgiu desde o momento em que o Estado assumiu a exclusividade da jurisdição.

Deste privilégio decorreu uma obrigação, que é a de assistir aqueles que carecem de sua atuação. Daí haver o constitucionalista e desembargador Kildare Carvalho defendido, em uma de suas obras, “a inafastabilidade ao acesso ao Judiciário, traduzida no monopólio de jurisdição, ou seja, havendo ameaça ou lesão de direito, não pode a lei impedir o acesso ao Poder Judiciário”.

Essa garantia que está sendo minimizada por alguns tribunais deve ser exercida através de ações hábeis, aptas a propiciar decisões justas e úteis aos jurisdicionados, assegurando-lhes concretamente os bens jurídicos que perseguem.

Assim, é de somenos importância o número aparentemente excessivo dos julgamentos que abonaram a pretensão dos consumidores, sem que o Estado, através de sua maioria no Congresso, possa atuar direta ou indiretamente nas contendas em que seja parte ou abonando o suposto direito das empresas que exploram os planos de saúde.
Esse tema, pela sua relevância, deveria ser alvo de manifestação dos candidatos que estão em campanha, buscando a vitória na eleição de outubro vindouro.

Aqueles que se omitem no enfrentamento da questão estão, implicitamente, aceitando a proibição que se pretende impor aos usuários dos planos de saúde de ingressar em juízo, inobstante a proteção constitucional de que desfrutam.

* Advogado, Conselheiro Nato da OAB, Diretor do IAB e do Iamg

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