Uma confiança transitória

15 de março de 2019 às 0h01

Aristoteles Atheniense*

Quando surgiram as primeiras notícias de que o presidente eleito pretendia convidar o juiz Sérgio Moro para assumir o Ministério da Justiça, a opinião pública recebeu com reservas a veracidade da proposta.

Estaria Moro disposto a conviver no ambiente de Brasília, onde as vantagens pessoais se sobrepõem aos interesses maiores do País? O fato de haver chancelado as investigações da Lava Jato seria suficiente para credenciá-lo a ocupar um posto de tamanha responsabilidade?

Essas dúvidas se dissiparam a partir do aguardado encontro promovido pelo capitão Bolsonaro, ao assegurar ao então magistrado: “Eu não vou interferir em absolutamente nada que venha a ocorrer dentro da Justiça no tocante ao combate à corrupção. Mesmo que vier a mexer com alguém da minha família no futuro”. Segundo Bolsonaro, a aceitação do convite foi decisão difícil, pois “ele vai abrir mão da carreira dele. É um soldado que está indo para a guerra sem medo de morrer”.

Por acreditar nesse compromisso, Sérgio Moro não hesitou em atender ao honroso chamamento, que talvez contribuísse para que, com o passar dos anos, viesse a ocupar uma das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal.

No final de fevereiro, Moro indicou para a suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária a cientista política Ilona Szabó. Tratava-se da diretora do Instituto Igarapé, com mestrado na Universidade de Uppsala, que atuara como consultora para o programa das Nações Unidas, tendo assessorado o ex-secretário da ONU, Kofi Annan, prêmio Nobel da Paz, falecido em 2018.

Em janeiro deste ano, Ilona Szabó esteve em Davos, onde manteve conversações com Sérgio Moro sobre projetos na área de segurança pública. O órgão para o qual Szabó iria participar é de natureza consultiva e não remunerado. Um de seus presidentes foi o criminalista Ariosvaldo de Campos Pires, escolhido pelo então ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Também integraram o Conselho os professores Jair Leonardo Lopes e Herman Vichez Guerrero, oriundos de Minas Gerais.

Já no dia seguinte ao da indicação feita por Moro, o senador Flávio Bolsonaro qualificou Ilona (sic.), como “cara de pau, em aceitar fazer parte do governo Bolsonaro”. O presidente, levado pela crítica do filho, instou junto ao ministro Moro para que desfizesse a nomeação, sem emitir qualquer “justificativa” para essa revogação.

Ante a imposição do Planalto, só restou ao ministro emitir a vaga mensagem: “Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas”.

Esse episódio, ocorrido dois meses após a sua posse, revelou que o presidente não estava realmente propenso a conferir a Sérgio Moro os poderes que o levaram a aceitar o seu aceno. Tratava-se de uma “confiança” transitória movida pela conveniência, levada pela boa repercussão que teria a escolha de um magistrado talentoso para compor o seu ministério.

Que o fato sirva de alerta aos demais auxiliares do governo atual, especialmente a quem ostenta a aura de ser o responsável pela salvação da economia nacional. Advogado.

  • Conselheiro Nato da OAB e Diretor do IAB

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