Barulho, sensibilidade excessiva e dano moral

18 de abril de 2020 às 0h10

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Crédito: Freepik

Kênio de Souza Pereira*

Um dos fatores mais determinantes na valorização de um imóvel é a localização, o que implica na vizinhança, sendo que a questão da poluição ambiental pode afetar o preço da moradia em torno de 20%. São inúmeros os proprietários de apartamentos que mudam em decorrência de conflitos no condomínio ou por não suportar os ruídos provocados pelo vizinho.

Mas, cabe ao reclamante provar, sendo que na maioria dos casos, a prova é testemunhal, para que seja possível aplicar os artigos 1.277, 1.336 e 1.337 do Código Civil, que protegem o direito ao sossego, à saúde e à segurança, sendo certo que o barulho prejudica a atividade laboral, os estudos e o descanso, ocasionando danos à saúde.

Mas, o foco desse artigo é outro, ou seja, a ausência de perturbação. Consiste num grande desafio conviver com o vizinho sensível que reclama de ruídos inexistentes ou de sons que são normais na área urbana. Há pessoas que não suportam a proximidade decorrente das moradias coletivas que exigem o compartilhamento de espaços comuns, chegando ao absurdo de se incomodar com o simples abrir da porta do apartamento ao lado.

Realmente, há ruídos, como o arrastar de móveis, o bate-bola, o velotrol da criança, o salto alto do sapato nos quartos, o som alto, o latir constante do cão, dentre outros, que incomodam e justificam uma providência enérgica para eliminar a irregularidade. Mas, o que falamos aqui é bem diferente. Existem pessoas que reclamam do nada, que não suportam os sons comuns da cidade.

Com a maior permanência das pessoas nos apartamentos em decorrência do isolamento social decorrente do receio de contágio do Covid-19, a questão dos ruídos tem exigido maior atenção.

Há caso de pessoas que, após reclamar do vizinho, tiveram a oportunidade de conversar e investigar a causa do ruído, que muitas vezes decorria do conjunto de tubulações hidráulicas do reservatório do edifício, conhecido por barrilete, da prumada que vibrava com o fluxo d’água, de um aparelho de ar-condicionado ou gerador externo, do aquecedor da piscina, dentre outros. Portanto, para apurar o problema é fundamental que a pessoa que se sente incomodada comunique com o vizinho detalhadamente o fato que a incomoda, pois assim a causa poderá ser apurada e evitada a sua reprodução.

Mas, há casos em que o reclamante simplesmente requer sucessivas vezes a intervenção dos porteiros, do síndico e da coletividade, para intermediarem a situação, sendo que imputa os ruídos ao vizinho que efetivamente não faz ruídos incomuns. Um ponto importante é que os ruídos, quando existem realmente, são audíveis por qualquer pessoa, razão que o magistrado somente condena o réu por conduta ruidosa mediante prova, sendo em geral, por meio de testemunhas que não sejam parentes do reclamante.

Para eliminar dúvida, cabe ao reclamado se disponibilizar para receber o reclamante no momento que este perceber o barulho, sendo importante que este solicite a outro morador e ao porteiro (caso exista) para presenciarem os ruídos, seja qual for o horário. Será difícil três pessoas imaginarem ao mesmo tempo ruídos, caso estes não existam.

Todavia, se testemunhas não ouvem os sons reclamados, passa a ficar evidenciada a postura antissocial do morador que reclama, podendo vir a responder por danos morais (art. 5º, V, Constituição Federal), além de infringir o art. 1.336, IV CC, diante dos vários registros no livro de ocorrências que é utilizado para denegrir o bom conceito e a autoestima do vizinho e sua família, acusados de fazer barulhos, passando injustamente por mal-educados.

Para ilustrar que essa situação existe de fato, relatamos um caso real de uma vizinha que reclamava constantemente de morador do apartamento localizado acima. Ela ligou, durante meses, para o porteiro para que este repreendesse o “provocador dos ruídos”. Somente, após o porteiro receber em duas ocasiões diferentes, a reclamação de ruídos e dizer que o morador estava viajando, ou seja, que não tinha ninguém no apartamento, ficou evidente sua implicância e má-fé.

Dessa forma, pode ser repreendida, e até multada pelo Juiz mediante o devido processo, a pessoa que inventa ruídos ou que imagina que no edifício não possa ter outros moradores.

Comete abuso quem faz sucessivas reclamações junto ao síndico para incomodá-lo e provocar constrangimentos e angústia no vizinho que realmente não perturba ninguém.
Quando há de fato incomodo de ruídos entre dois vizinhos, cabe ao incomodado ir diretamente ao outro para conversar e, não sendo resolvido, poderá inclusive aciona-lo judicialmente, sendo essa situação particular, não cabendo ao síndico intervir.

Somente quando os ruídos (som alto, festas de madrugada, banda e cantoria no salão de festas e na churrasqueira, etc) são exagerados a ponto de perturbar vários moradores caberá ao síndico intervir, notificar, convocar assembleia e até multar. Mas se o ruído ocorre entre dois apartamentos, cabe somente a estes vizinhos resolverem a questão, não tendo cabimento expor esse problema pessoal no livro de ocorrência do condomínio ou na assembleia.

*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal, Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG, Membro do Instituto Brasileiro de Direto Imobiliário – Ibradim-MG

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