ALEXANDRE HORÁCIO
Não há como assistir a “A Grande Dama do Cinema” (El Cuento de Las Comadrejas), de 2019, filme que marca o retorno do ótimo diretor argentino Juan José Campanella ao cinema tradicional, após um hiato de dez anos, sem se lembrar do clássico “Crepúsculo dos Deuses” (1950), de Billy Wilder, e do irreverente “E se vivêssemos todos juntos?” (2012), de Stéphane Robelin.
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Apesar das semelhanças, “A Grande Dama do Cinema” é um remake de “Los Muchachos de Antes no Usaban Arsénico”, dirigido por José Martínez Suárez e lançado duas semanas antes do golpe militar na Argentina de 1976, cuja ditadura que durou até 1983 proibiu a exibição da película. Este detalhe é inclusive exposto no filme de Campanella de forma indireta e sutil.
Mesmo com tantas influências e inspirações, “A Grande Dama do Cinema” tem vida própria. Autor de obras-primas como “O Filho da Noiva” (2001) e “O Segredo de Seus Olhos” (2009), segundo filme argentino a receber o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Campanella tece com a habilidade de um artesão cinematográfico uma trama peculiar, costurando um roteiro de cinema dentro do próprio filme, incluindo a atmosfera e o emocional dos bastidores.
O diretor usa e abusa da metalinguagem para construir uma narrativa que passeia por diversos gêneros, como o suspense, a comédia e o melodrama, abordando temas já explorados em sua cinematografia, como a desesperança da velhice. Campanella confronta a sabedoria e a sagacidade da maturidade com o pragmatismo inescrupuloso e arrogante de uma juventude sem valores morais.
O magistral jogo de manipulação e ilusão arquitetado por Campanella se desenvolve a partir das relações conturbadas de quatro idosos que outrora brilharam no cinema argentino, Mara Ordaz, a estrela vencedora do Oscar magnificamente interpretada pela veterana Graciela Borges; seu marido Pedro (Luis Brandoni), um ex-ator de segunda categoria que vive na cadeira de rodas; um ex-roteirista (Marcos Mundstock); e um ex-diretor de cinema (Oscar Martinez), que vivem juntos em uma mansão no interior da Argentina. Do lado oposto, um jovem casal ambicioso e oportunista, interpretado por Nicolás Francella e Clara Lago, movido pela ganância da especulação imobiliária, tenta persuadi-los a vender a casa onde vivem para a construção de um complexo residencial.
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Campanella destina um humor ácido ao longo do filme, desconstruindo a perversidade da natureza humana, e guarda para o espectador um desfecho hilariante e sensacional, com surpresas e nuances que nos remetem aos melhores thrillers do mestre Alfred Hitchcock e um verdadeiro roteiro de cinema escrito e interpretado pelos “próprios personagens” dentro da película, um verdadeiro revival dos “bons tempos”.
Outra referência que não passa despercebida é Pedro Almodóvar. Com maestria, o diretor argentino brinca com os clichês e transforma o trágico em cômico, ao melhor estilo do cineasta espanhol. “A Grande Dama do Cinema” está em cartaz no Ponteio e Belas Artes.