IDEIAS | Para os que julgam que algo é bom porque o desejam

24 de abril de 2021 às 0h15

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Crédito: Pixabay

Anno Domini Nostri Iesu Christi MMXXII

“Prezado servo de Deus,

 Antes de mais nada, apresento-me. Sou o padre a quem o senhor e sua digníssima amada viram em um dos corredores laterais da minha igreja. Não sou um padre comum e rapidamente lhe explico.

 Quando nasci, minha santa mãe (que descansa em paz junto ao divino criador) recebeu a visita de um anjo e este lhe confidenciara que eu conseguiria ver coisas além da explicação humana. Confidenciou-lhe, ainda, com uma voz grave de fazer inveja ao mais poderoso ronco dos trovões, um segredo, agora compartilhado com você: O seu filho terá o dom da premonição. E mais não disse.

Pois bem, esses dons divinos me permitiram ouvir, apesar da distância, o seu pedido de casamento, dirigido à mulher que o acompanhava. Além disso, também vi, sem que o percebessem, a decepção e o constrangimento estampados na lívida face da sua companheira, ao lhe dizer um sonoro não e a romper ali, diante do olhos de Nossa Senhora, o relacionamento de vocês.

 Não sou psicanalista, mas vejo que, após o incidente, um dilema e um mal-estar o perseguem dia e noite. Dilema, por não conseguir ir ao encontro dos anseios de sua namorada; mal-estar, por saber que, se não for ao encontro desses anseios, ela não mudará de opinião.

Permito-me fugir um pouco do tema, ainda que, de certa forma, se relacione com a sua situação, para lembrar-lhe de uma coisa. Algumas pessoas, equivocadamente, elegem para seus líderes alguém a quem conferem toda grandeza, e mais nada. E é assim que nasce um tirano, e quando ele surge pela primeira vez, sempre oferece proteção; no caso do tirano de plantão do seu país, proteção contra os comunistas, proteção contra a corrupção e por aí vai. Paro por aqui. A lista das falsas benesses oferecidas é muito extensa.

E, por mais que os opositores desse tirano consigam fugir de todos os perigos que os cercam, eles nunca conseguirão escapar por completo daqueles que não querem que pessoas como elas existam. Você me entende?

A pandemia está aí, fazendo vítimas a cada esquina. Estamos tratando aqui de um extermínio programado, feito por um demônio ancorado nos mais estapafúrdios dos motivos. E aqui está o paradoxo. O paradoxo dos imbecis. Eles querem destruir os outros, mas a arma que utilizam também os mata. Reflita e reconsidere a sua opção. Talvez reconquiste a sua amada.”

— Pois é, Zé, foi esse o estranho e-mail que o bolsonarista de carteirinha recebeu.

— Imagino, Nilton, que ela queira que o futuro marido abra os olhos e enxergue a realidade que o cerca. Isso implicaria em deixar de ouvir aquele que o dirige. Concordar em fazer o isolamento social, utilizar máscara e deixar de defender medicamentos que, em vez de curar, como divulgado por inescrupulosos, matam os pacientes com Covid. Mas, como você soube de tudo isso? Nunca o vi, em toda a minha vida, entrar em uma igreja, e desconheço que tenha alguma amizade com qualquer cura.

— Eu soube pelo Mario Caveira.

— Pelo Mario Caveira? Mas ele também faz parte da legião recrutada pelo demônio-mor, aliás não poderia ter melhor apelido.

— Parece que a ex-futura noiva voltou à igreja, contou todos os detalhes do caso e deu os contatos do fulano para o tal padre. Uma das faxineiras da igreja parece ter ouvido a conversa e a contou para o Mario.

— Quanto a ele atender ao pedido de sua ex, eu já vi muitos bozoristas, sem ofensas ao verdadeiro bozo, se arrependerem. Uns tantos, porque, ao rezarem na cartilha do tal tirano, se sentiram culpados de terem contaminados seus familiares com o vírus da pandemia; outros porque, uma vez  entubados no CTI, estiveram a ponto de descerem ao mundo de Hades, mas se recuperaram. Há também os que, frente às quase 400 mil mortes, tinham as suas razões dormindo em sono eterno e despertaram.

— Mas há ainda um pequena maioria que apoia o governo. Difícil de explicar, não?

— Talvez no livro Ética, demonstrada segundo a ordem geométrica, de Spinoza (1632-1677), pudéssemos justificar os comportamentos desses insensatos. Lá, na parte III do livro que trata sobre a condição e a natureza humana, as quais são arquitetadas de forma determinista, o pensador nos diz: “Não desejamos algo porque o julgamos bom; mas, ao contrário, julgamos que algo é bom porque o desejamos. Pois é, a natureza deturpada dessa pequena maioria aprova tudo que aí está, porque dentro de cada um está aquilo que sempre desejaram e que agora tornou-se realidade através daquele que elegeram”.

— Resta saber se o tal pretendente renunciará a tudo que defende para consertar a situação.

— A conferir, Nilton, a conferir

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