Malick contrapõe poesia visual e vírus do nazismo

17 de março de 2020 às 0h10

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Crédito: Divulgação

Avesso à exposição pública, o diretor norte-americano Terrence Malick não costuma mostrar a sua cara, ao contrário de seus filmes que penetram na expressão profunda de closes dos personagens em contraste com deslumbrantes imagens da natureza, envoltas em pensamentos filosóficos e espirituais, sempre narrados em off.

Depois de “Cinzas no Paraíso” (1978), vencedor do Oscar de melhor fotografia, Malick fez um longo hiato para lançar duas obras-primas na sequência, “Além da Linha Vermelha” (1998) e “A Árvore da Vida” (2011), que consolidaram uma estética própria, que conjuga reflexões existencialistas, com indagações referentes a Deus, e enquadramentos ambientais amplos, de rara e rebuscada beleza.

O seu último trabalho, “A Vida Oculta” (2019), segue a cartilha com todos os méritos do dedicado e meticuloso diretor, que gastou três anos apenas no trabalho de montagem do filme. Embora inferior às suas melhores películas, “A Vida Oculta” comove e incomoda o público ao narrar, à moda de Malick, a história real de um pequeno agricultor austríaco, Franz (August Diehl), que é condenado à morte pela Alemanha nazista por se recusar a jurar lealdade a Hitler devido às suas convicções pessoais e religiosas.

Parodiando o saudoso Gabriel García Márquez, a odisseia de Franz é uma espécie de “crônica de uma morte anunciada”. Ele vive os dilemas de um católico fiel diante do horror do nazismo na Segunda Guerra Mundial e enfrenta a agressão da comunidade que não aceita sua resistência em servir ao exército alemão na paradisíaca aldeia Radegund, ao lado de sua mulher apaixonada, Fani (Valerie Pachner), e suas três filhas.

A vida simples e prazerosa na perfeita harmonia entre ser humano, os animais e o cultivo em campos idílicos é contaminada pelo ódio nazista que dissemina entre os habitantes, criando um instigante contraponto entre o bucolismo da paisagem e o clima psicológico corrosivo de uma a guerra que parece distante, mas está terrivelmente próxima e presente. O paradoxo serve de alusão para o fascismo que ressurge das trevas em todo o mundo, inclusive no Brasil, um século depois de seu surgimento na Itália de Mussolini, precursor de Hitler.

Entretanto, mesmo diante de drásticas e inevitáveis consequências, Franz mantém-se fiel à sua aversão a Hitler, que ele chama de Anticristo, até mesmo diante da morte iminente. O seu martírio e seu calvário são insuficientes para corromper o seu caráter.

Na inútil tentativa de persuadi-lo a jurar lealdade a Hitler em troca da vida, seus algozes, um deles interpretado por Bruno Ganz – o impecável Hitler de “A Queda”- em um de seus últimos trabalhos, argumentam que sua atitude não iria mudar o curso da guerra e ninguém saberia nada a respeito de sua postura heróica. Para Franz, a vida nestas condições não valeria a pena…

Nos créditos finais, Mallick cita sugestivamente o romance “Middlemarch”, de George Eliot, com a referência aos que “viveram com fé uma vida oculta e repousam em túmulos que ninguém visita”.

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