O perdão, a vingança e a justiça

6 de abril de 2019 às 0h01

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Crédito: valter campanto/agencia brasil

ROGÉRIO FARIA TAVARES* 

O perdão é a capacidade de superar a violência sofrida, vê-la sob outra perspectiva e seguir adiante. Ato solitário, de foro íntimo, é expressão de livre vontade, geralmente fruto de longo amadurecimento e demorada reflexão. Obviamente, pertence ao campo das relações privadas. O perdão não tem como ser regulado. Não há nada nem ninguém que possa obrigar fulano a perdoar beltrano. Em circunstâncias específicas, o perdão apresenta dimensão pública. Quando isso ocorre é porque as partes envolvidas são famosas ou exercem forte impacto na vida da comunidade.

Ainda que seja resultado de decisão indelegável e fortemente influenciado por características pessoais e idiossincrasias, o perdão é exaltado por várias crenças morais e religiosas. É celebrado como virtude elevada e caminho para evoluir espiritualmente. Perdoar também é comportamento incentivado por diversas correntes terapêuticas, que nele enxergam benefícios para a vida emocional e psíquica e até para a saúde física. Já se disse que “o perdão cura”.

Mesmo assim, na nossa sociedade, perdoar ainda não é a atitude mais esperada de uma pessoa que sofreu alguma perda ou dano grave causado por outrem. Muitas vezes o perdão é confundido com sentimentos como a apatia, a fuga, a fraqueza, a covardia, a rendição ou o medo, todos eles estratégias bastante débeis para reagir diante dos acontecimentos. O fato é que o perdão verdadeiro continua tido como produto raro, acessível a poucos, já que requer o acesso a recursos quase sempre escassos no mercado tradicional de emoções, como a compaixão e a empatia, por exemplo.

A vingança, por sua vez, é a devolução direta ao agressor, na mesma proporção, ou em medida superior, do dano sofrido pela vítima: olho por olho, dente por dente. Embora ela não goze de grande prestígio entre os doutrinadores morais e religiosos, a vingança tem apelo popular. Bastante conhecida, não há quem não entenda o que ela significa e quais são os efeitos que é capaz de gerar. Muitas das obras clássicas da literatura universal e do cinema seriam frágeis e opacas se não fosse possível retratar a vingança.

Em diversas ocasiões, a vingança parece necessária e pedagógica, mas é algo distinto. A vingança tem aparência de justiça, mas não é justiça. Apesar de atraente, ela jamais poderá ser aceita tranquilamente na arena pública. Apesar de sedutora, ela nunca poderá incorporar-se, mansamente, ao conjunto de práticas admitidas pelas sociedades democráticas para reprimir condutas indesejadas, já que contesta a força da lei e as soluções que ela propõe.

Por fim, a justiça. O conceito de justiça aqui focalizado é unicamente o da justiça implementada pelo direito. E mais nenhum outro, já que as definições de justiça são tão numerosas quanto as palavras de ordem cantadas para evocá-la. A justiça não é o hino composto pela ira ou por paixões incontroláveis. A justiça não combina com histeria ou perseguição. A justiça é a expressão da racionalidade. É a resposta serena, organizada, institucional e coletiva que a sociedade dá a todos os que violam os bens juridicamente protegidos, entre os quais a vida é o mais importante. A justiça é um dos valores máximos buscados por toda a produção normativa.

Ela é fundamental para a vida em comunidade. Da sua promoção vigorosa e efetiva depende o sucesso do projeto de convivência social. A justiça é sinal de vitória da civilização sobre a barbárie.

A justiça restaura o equilíbrio nas relações entre os cidadãos, restitui os direitos lesados e distribui conseqüências penais aos causadores de infrações ou crimes. Ela é um dos princípios que devem orientar a ação do legislador, do magistrado e do gestor governamental. Baseada em regras redigidas com precisão e que servem igualmente para todos, a justiça não pode ser casuística nem oportunista, devendo ser obtida por meio da aplicação técnica, competente e isenta dos mandamentos legais ao caso concretamente analisado.

  • Jornalista. Da Academia Mineira de Letras

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