Uma farsa, um espanto, um protesto

3 de julho de 2021 às 0h15

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Os ponteiros do relógio, preso à parede do meu quarto, indicavam que eram 5:10. Abri os olhos e comecei a entrar em estado de vigília. Aos poucos, tomei pé da situação. As imagens não invocadas que invadiram a minha memória sob forma de flashes, tal qual o fariam relâmpagos em noite de tempestade, me trouxeram de volta a notícia de que um bispo, impedido por decisão judicial de deixar o país, fora indicado para ser embaixador em um país africano.

Resolvi deixar de lado a obsessão que me persegue desde que voltei a escrever para o jornal, qual seja, a de combater incessantemente o desgoverno que sofre o Brasil. Meus textos costumam ser uma apologia da liberdade de expressão, onde as palavras se rebelam e se revelam, não só como ideias contra os ataques que os seguidores presidenciais fazem contra todos os que professam algo diferente de suas “certezas”, mas, também contra os bizarros atos do próprio presidente

Se não escrevo, corro o risco de ver as minhas dores no pescoço piorarem. Sim, por mais estranho que pareça, denunciar as excrescências realizadas pelo governo, diminuem as tais cervicalgias. Mesmo com a possibilidade de cometer alguma heresia psicanalítica, imagino que, de certa forma, eu sublimo as minhas dores, pois alimento a esperança de que o que escrevo possa despertar alguma atenção, ainda que de um leitor apenas, e contribuir para que haja um posicionamento contra os desmandos presidenciais. Assim, nutro a esperança de que, na próxima eleição, esse leitor sensibilizado não cometa o mesmo erro das últimas eleições. Todo escritor deseja interferir de alguma forma, por mais ínfima que seja.

O que importa é que prometi a mim mesmo que, naquele momento, não conduziria meu texto para mais uma crítica ao ato da nomeação do tal pastor, porque, se assim o fizesse, teria que “baixar o porrete” no responsável pela tal nomeação e descumpriria o que me propus a fazer nesta crônica. Aproveito, então, a deixa da religião para me ocupar de outras indignidades. As indignidades que envolvem as falsas e obscenas orações proferidas por alguns falsos pastores. Pastores que alegam serem, com uma certeza fanática, os enviados dos céus para salvara vida dos seus fiéis. Ah, mas com a condição que recebam dos tais fiéis a contribuição mensal de um dízimo. Dízimo este que poderia ser de parte do salário de cada pretendente à salvação do fogo eterno. Em um país decente, tal comportamento deflagraria uma indignação nacional.

Tais trapaças e artimanhas são tão evidentes que me custa a crer que sequer uma alma entre tantas não levante dúvidas de sua veracidade. Mas não, os fiéis hipnotizados pelos discursos e farsas montadas pelas falsas curas ocorridas na pregação, parecem lamber as imagens daqueles que lhes falam. Eles não farão como aquela viúva que, enganada por um charmoso sedutor, ao ver o seu dinheiro desaparecer junto com ele, vai à delegacia policial prestar queixa. Mesmo diante das evidências de que foram vítimas de um estelionato, continuarão incondicionalmente apoiando o estelionatário.

 Caso a “fé” dos tais pregadores virasse uma entidade física, ao vê-los falar entraria em pânico e arrancaria os próprios cabelos. Mas, se por aqui as igrejas apoiadoras do regime parecem encher cada vez mais as suas burras, o mesmo não acontece em um país africano. Lá, acusados de lavagem de dinheiro, muitos pastores já foram expulsos, e uns outros tantos terão que deixar o país. No Brasil, sempre houve condescendências com os ganhos de certas seitas religiosas, mas depois que este apequenado país , gerado no ovo da serpente, renasceu em 2019 a situação lhes ficou mais favorável.

Que não se tenha preconceitos éticos ou estéticos com o circo montado nas celebrações, eu concordo; mas me espanta que esses vergonhosos ganhos não despertem uma indignação e providências por parte de quem de direito. Ora, dirão os críticos. Deixe-os em paz e cuide dos escalabros maiores que afetam a nação. E não seria esse também um escalabro? Afinal, as ovelhas desses pastores, verdadeiros leucotomizados pré-frontais ( lobotomizados), não passam de vítimas neutralizadas pelo veneno verborrágico dos tais pregadores, cujo poder é mais forte que a neurotoxina das piores serpentes. E, sim, são presas fáceis, capazes de seguir orientações eleitoreiras populistas. Passaram, depois que foram arrebanhados, a encurralar todos e quaisquer signos que não façam referências a “Deus acima de tudo”. Trancados na ideia obsessiva de que fora das suas igrejas nada conta, as suas percepções do mundo tornaram-se obscuras.

Falei há pouco em espanto. Volto à palavra. Precisamos não perder a capacidade de nos espantar com ocorrências que, diante das diárias obtusidades promovidas pelo presidente, tendem a ser colocadas em planos inferiores e destinadas ao esquecimento. O protesto de cada um de nós pode ser infinitesimal e não ter o alcance que desejaríamos; no entanto, é infinitamente importante que protestemos.

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