ROGÉRIO FARIA TAVARES*
Em “Sete anos e um dia”, seu primeiro romance para adultos, Elvira Vigna conta a história de um grupo de amigos vivendo no Rio de Janeiro nos anos finais do regime militar, entre 78 e 85. Catarina é a personagem-síntese da mulher que acompanha a nova onda de liberalização. Trabalha fora, discute a redivisão do trabalho doméstico com o companheiro e reivindica alterações no horário laboral. Quando nasce o filho, João, já na maternidade questiona a autoridade médica. Seu obstetra teima em prescrever para ela normas de conduta que a moça resiste em aceitar. A personagem ainda passa por um aborto. De espírito livre, sonha com outros homens, a despeito de viver com Carlos Alberto. Admitindo claramente o seu desejo sexual, chega, no final do enredo, a investir na direção de um colega de trabalho, a quem aborda sem qualquer temor.
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Em “As seis em ponto”, a narradora Maria Teresa reclama das diferenças entre ela e a irmã, admitindo que esta tem os homens que quer e que ela só tem os que caça. Assim como Lúcia, de “O assassinato de Bebê Martê’, Maria Teresa é a personagem a quem se atribui o assassinato do próprio pai, assunto que Elvira Vigna pauta em toda a sua complexidade e significação. Embora não seja a responsável por sua morte, Shirley Marlone, de “Deixei ele lá e vim” vai à cerimonia de cremação do corpo do pai para, depois, deixar para sempre a convivência com a sua família e muitas das regras de comportamento emitidas pela sociedade patriarcal e machista em que se insere.
Nita é a protagonista de “Coisas que os homens não entendem”. Bissexual, tem uma namorada nos Estados Unidos, mas se relaciona com Barbosa e o filho dele, Nando, no Rio de Janeiro. É mulher errante, que vaga pelo mundo sem pouso e sem destino. Não tem marido ou filhos. Não se vincula a um núcleo fixo ou estável. Trajetória parecida é a de Valderez, personagem-narradora de “Por escrito”, de 2014, que passa grande parte de seu tempo entre aeroportos e hotéis, os chamados “entre lugares” a que ela dá o nome de “lugares nenhuns”. Sempre de passagem, tem dificuldades em mudar-se para o apartamento do namorado, Paulo, e com ele constituir uma relação mais próxima e mais íntima, embora consiga fazê-lo nas últimas páginas do livro.
Em “Como se estivéssemos em palimpsesto de putas”, de 2016, hoje considerado um dos livros da década, Elvira Vigna apresenta uma personagem-narradora que, outra vez, não tem nome (assim como nos romances “Nada a dizer” e “O que deu para fazer em matéria de história de amor”). É ela quem conta a história de João referindo-se, sobretudo, à sua obsessão por garotas de programa, ainda que seja casado com Lola. De novo, a dificuldade de comunicação entre homens e mulheres assume lugar de destaque na obra romanesca de Elvira, o que é o tema principal do já citado “Nada a dizer”.
Nesse livro, a personagem-narradora relata, com detalhes, o caso extraconjugal havido entre seu marido e outra mulher casada, a quem decide chamar simplesmente de N. Ganhadora do premio de melhor romance da Academia Brasileira de Letras, a obra precisa ser lida mais de uma vez, para que se possa perceber as várias camadas em que está organizada e os sentidos ocultos em cada uma delas. É assim com praticamente todos os dez romances escritos por essa autora, cuja morte completará três anos em 2020.
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*Jornalista. Presidente da Academia Mineira de Letras