VIVER EM VOZ ALTA | No centenário de João Cabral de Melo Neto

2 de outubro de 2020 às 0h10

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Crédito: REPRODUÇÃO / AGÊNCIA BRASIL

ROGÉRIO FARIA TAVARES*

“Quero uma ‘poesia áspera’, que não embale o leitor e que seja difícil de ler em voz alta. Uma poesia que apresente obstáculos, a todo momento, à leitura. Não quero uma ‘poesia lisa’”. Era o que costumava dizer, em entrevistas para a imprensa, um dos nomes fundamentais da Poesia Brasileira do século XX: João Cabral de Melo Neto, que legou ao público, entre outras, obras como “A pedra do sono” (1942), “O engenheiro” (1945), “Psicologia da composição” (1947), “O cão sem plumas” (1950), “O rio” (1954) e “Uma faca só lâmina” (1955), sem falar em “Morte e Vida Severina”, do mesmo ano, escrita para o teatro a pedido de Maria Clara Machado e só encenada nos anos sessenta, em São Paulo, com inesquecível trilha sonora de Chico Buarque e Airton Barbosa. Impressionante sucesso editorial, é texto até hoje largamente adotado nas escolas de todo o País.

Nascido no Recife, em 1920, o autor estudou no Colégio Marista; ingressou na carreira diplomática, servindo, entre outras, em cidades como Barcelona, Madri e Sevilha, e elegeu-se para a Academia Brasileira de Letras, em 1968. Na mocidade, aderiu a grupo poético próximo do surrealismo, movimento artístico e literário surgido na França na segunda década do século vinte, tendo André Breton como seu principal representante. A mudança para o Rio de Janeiro determinou uma nítida mudança em sua inspiração. Convivendo com os modernistas Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, fortes e claras influências do começo de sua carreira, foi ganhando, com o tempo, uma dicção bastante própria, autônoma, que a ele reservou lugar distinto no panorama da poesia brasileira, refratário a filiações de qualquer natureza. A essa posição ‘independente’, muitos críticos atribuem um certo ‘esfriamento’ de sua relação com o gênio de Itabira, com quem mantivera intensa correspondência nos anos iniciais de sua trajetória, prática completamente desaparecida em anos posteriores.

É o que mostra, no ensaio “Drummond e Cabral: afagos & alfinetes’, o professor emérito da UFRJ, Antônio Carlos Secchin, maior especialista brasileiro na obra cabralina e membro da Academia Brasileira de Letras, que tive a alegria de entrevistar, recentemente, para o Instagram da Bienal Mineira do Livro. O mencionado ensaio integra o mais recente dos livros do acadêmico: “João Cabral de ponta a ponta”, lançado nesse ano, pela Cepe Editora, por ocasião do centenário de nascimento do poeta pernambucano. O volume já está disponível em formato eletrônico e merece a leitura atenta de todos os que amam a produção do autor de “A educação pela pedra”.

A paixão de Secchin pelo legado do poeta do Recife é antiga. Ela se reflete também em “A Poesia do Menos”, de 85; “A Poesia do Menos e Outros Ensaios Cabralinos”, de 99; e em “João Cabral: uma fala só lâmina”, de 2014. O livro de 2020 é o mais abrangente da série, também incluindo uma entrevista preciosa concedida em 80; a última entrevista em ambiente universitário (uma palestra na UFRJ, em 1993) e um lindo ‘caderno de imagens’, contendo exemplares valiosos da bibliografia de João Cabral, falecido em 1999. O conjunto de homenagens a ele (e de presentes para os seus leitores) não para por aí. Em breve, também organizada por Secchin, a Editora Alfaguara lançará a ‘Poesia Completa’ do autor, com mais de sessenta poemas inéditos, uma publicação, sem dúvida, de inestimável valor histórico e literário.

*Jornalista, doutor em literatura e presidente da Academia Mineira de Letras

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