VIVER EM VOZ ALTA | Sobre Ignácio de Loyola Brandão
13 de agosto de 2021 às 0h15
Nascido em Araraquara, interior de São Paulo, em 1936, Ignácio de Loyola Brandão foi, desde cedo, leitor voraz, estimulado pela incrível biblioteca do pai e por professoras habilidosas, que nele incutiram o entusiasmo pela literatura. A paixão pela escrita também chegou cedo, quando começou a publicar críticas de cinema no jornal da cidade. A mudança para a capital paulista selou seu destino. Logo, ingressou na redação do célebre “Última hora” e nunca mais deixou a imprensa, atuando, posteriormente, no “Estado de São Paulo”. O gosto pela ficção, no entanto, continuou ocupando lugar de destaque na vida do autor, que hoje pertence à Academia Brasileira de Letras.
Em “Bebel que a cidade comeu”, Ignácio de Loyola Brandão mostra como foram os anos sessenta no Brasil, dando destaque às mudanças operadas nos costumes. Por meio da protagonista, aproveita para retratar a condição feminina no País naquela época, além de propor interessante reflexão sobre a cultura de massas e os meios de comunicação social, com destaque para a tevê. Reeditado pela Global, o livro, de 1968, prossegue atualíssimo.
“Zero” foi publicado primeiro na Itália, em 1974, e só um ano depois chegou ao Brasil. Em 76, considerado atentatório à moral e aos bons costumes, teve sua circulação proibida em todo o território nacional. A história se passa em um país subdesenvolvido vivendo sob uma ditadura. Para os estudiosos da obra, “Zero” segue uma estrutura narrativa que remete ao caos enfrentado no Brasil sob o regime autoritário. Sua linguagem, inovadora, incorporou elementos gráficos variados e diálogos ágeis para contar a história de José e de Rosa.
Em “Não verás país nenhum”, de 1981, Souza, um homem que descobre ter um furo na mão, vive numa São Paulo do futuro, refém de problemas insolúveis. O livro abre espaço para a reflexão, a ação e o suspense, reunidos num texto irônico e mordaz. É impressionante como Ignácio conseguiu prever as questões que vivemos hoje. Transcrevo uma passagem em que o problema central dos personagens é a crise hídrica: “Se ela encontrar a ficha, teremos água para mais dois dias. Economizando, uns três. Não mais. Quer dizer, é provável que não tenhamos água, depois, por uma semana. Até eu receber nova cota. Já falam em outros racionamentos, em redistribuição de cotas. Se houver, e elas diminuírem, aguentaremos?” O poder premonitório do autor se confirma em várias outras passagens da obra, como na que segue: “Todos querem apenas sobreviver. Se analisarmos a história, vamos concluir que o nível de vida do povo baixou a zero. Não de todos. Os que se locupletaram estão lá. Aqueles que os serviram se arranjaram. E todo mundo só quis servir. Foram décadas que derrotaram a civilização”.
O romance mais recente de Ignácio, “Desta terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela”, de 2018, também antecipou alguns dramas com os quais estamos lidando hoje, como nesse trecho: “Existe uma coisa a nos devorar, Marina, sem que possamos fazer nada, a não ser contemplar o esvaziamento até nos transformarmos em uma carcaça. Você também tem a sensação de que estamos todos enlouquecendo serenamente neste Brasil?”.