As cinzas da história

11 de setembro de 2018 às 0h01

O lamentável incêndio que destruiu o Museu Nacional, embora, felizmente, não tenha vítimas, atingiu de modo contundente os 208 milhões de brasileiros. É imenso o dano moral e para a autoestima de nossa gente a destruição de um dos mais importantes acervos históricos e científicos do País, bem como o abalo em um marco de nosso patrimônio arquitetônico, que, ironicamente, comemoraria seu aniversário de 200 anos em 2018.

A apuração das causas do incêndio é imperiosa, mas as hipóteses já aventadas — curto-circuito ou queda de balão — já delineiam um descuido incompatível com o significado do edifício e seu conteúdo. É inadmissível que um prédio de tamanha importância tenha instalações elétricas precárias e/ou não conte com um plano de contingência para enfrentar o risco de balões. Estes, aliás, apesar de proibidos por lei, continuam manchando de ameaças os céus do Brasil, deixando literalmente claro na irresponsabilidade de suas chamas o quanto é nociva para a Nação a relativização das leis, de sua transgressão e imputabilidade de quem as descumpre.

Pode-se alegar que, depois da ocorrência da tragédia, é fácil falar sobre prevenção. Não, não é fácil, pois a perda é irreparável! Queimaram-se duzentos anos de história, ciência e memórias. Museus, como o Nacional, não abrigam apenas peças para contemplação.

Guardam lições a serem aprendidas, para que os erros do passado não se repitam. Nas suas cinzas, perdem-se os porquês de problemas que seguem nos afligindo e freando nosso desenvolvimento deste o Império, passando pela República e a intermitência de regimes de exceção, até a redemocratização em 1985.

Um dos grandes equívocos, nesses dois séculos testemunhados pelo Museu Nacional, está intrinsecamente ligado às próprias causas de sua destruição pelo fogo: o descaso com a educação, cultura, pesquisa, inovação e ciência. Nosso atraso nessas áreas vitais em relação às nações desenvolvidas, às emergentes, com as quais concorremos diretamente, e a alguns de nossos vizinhos sul-americanos, como o Chile, explica em grande parte por que seguimos patinando no patamar de renda média, os altos índices de criminalidade e corrupção, o baixo grau de competitividade, o desemprego estrutural (desvinculado das causas conjunturais) e o pequeno crescimento médio do PIB nos últimos vinte anos.

Sob as mesmas cinzas do acervo do Museu Nacional estão os mais de dois milhões de crianças sem escola (IBGE – janeiro de 2018), os professores sem reconhecimento de sua importância pelo Estado, estabelecimentos de ensino sucateados, verbas insuficientes para P&D, jovens sem acesso à universidade e a qualidade baixa da educação pública, em especial a básica. Há, com certeza, direta relação de causa-efeito entre esses problemas e todas as desventuras político-econômicas às quais estamos assistindo, agora e sempre, em nossa trajetória como nação.

Ao invés de queimar etapas de desenvolvimento, avanço somente possível com nosso ingresso efetivo na chamada sociedade do conhecimento, estamos incinerando oportunidades de progresso e justiça social. Seguimos patinando em nossos próprios obstáculos, a despeito de todo o potencial de mercado, recursos naturais, capacidade de trabalho de nossa gente, disposição, criatividade e esforço de nossos empresários e trabalhadores.

As chamas que consumiram o Museu Nacional têm amarga analogia com a queima de livros retratada no romance de ficção científica Fahrenheit 451, do escritor norte-americano Ray Bradbury, que deu origem ao antológico filme homônimo de François Truffaut, lançado na Inglaterra, em 1966. Na obra, o Corpo de Bombeiros de um futuro sombrio tinha a terrível missão de destruir todo acervo escrito que pudesse transmitir conhecimento. Qualquer semelhança com a incendiária negligência relativa à educação, cultura e patrimônio histórico não é mera coincidência…

* Economista pela FAAP e MBA pela Duke University (EUA), é Sênior VP Latam da ACCO Brands Corporation e diretor do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo (Sindigraf-SP).

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