ENGENHARIA HOJE | Era do home office gera novos negócios para engenheiros e arquitetos
23 de setembro de 2020 às 0h14
O avanço do home office trouxe mudanças significativas para a configuração das cidades, mas está obrigando arquitetos e engenheiros a começar a pensar o imóvel pós-pandemia – um imóvel que está deixando de ser o local para onde as pessoas iam depois que deixavam o local de trabalho. Com o coronavírus, a dualidade casa e trabalho deixou de existir, pois tudo começou a ser feito no mesmo local.
Essas novas demandas chegaram primeiro ao setor imobiliário. Pesquisa de abrangência nacional realizada pela Zap Imóveis em maio revelou que para 32% dos entrevistados uma característica importante do imóvel residencial era o ambiente para escritório. Na pesquisa realizada no mês seguinte, em junho, o escritório passou a ser importante para contingente um pouco maior (36%) dos entrevistados.
O avanço dessa demanda chegou também às empresas de arquitetura, que estão recebendo pedidos de projetos que incorporem a realidade determinada pela Covid-19. A principal delas é a incorporação, às residências, do espaço para o trabalho. De acordo o arquiteto Bernardo Farkasvölgyi, seu escritório já trabalha com vários pedidos de projetos que incorporem essa nova realidade.
Porta de entrada – Uma das possibilidades apontadas por Bernardo Farkasvölgyi é que, nesse novo cenário, os escritórios sejam planejados para ficarem na entrada dos apartamentos, próximo à sala de visitas, como era comum em imóveis projetados na metade do século passado. Na configuração atual, implantada emergencialmente por causa da pandemia, o escritório tomou o lugar de um dos quartos ou foi instalado, de forma improvisada, na sala de visitas, que ficou desprovida de seu uso habitual por causa do isolamento.
Outra possibilidade é que os edifícios passem a ter, na área coletiva, um espaço de cowork, como já existe em muitos edifícios residenciais de alto luxo. Assim, na era pós-Covid, o chamado espaço fitness, reservado à academia de ginástica, passaria a ter como vizinho o espaço do trabalho em home office. De acordo com Bernardo Farkasvölgyi, seu escritório de arquitetura já estuda vários projetos com essa configuração. Um desses prevê que cada apartamento tenha seu próprio home office, só que no pilotis. Assim, segundo ele, os clientes não precisariam nem subir ao apartamento.
Para a arquiteta e urbanista Fernanda Basques, a incorporação do home office aos imóveis residenciais está começando a passar agora por um refinamento no sentido de fazer uma separação entre o ambiente residencial e espaço reservado ao trabalho. Esse novo cenário irá, segundo ela, gerar um volume extra de trabalho aos escritórios de arquitetura. Mas também constitui, segundo Fernanda Basques, um enorme desafio. “Não é fácil colocar um escritório dentro de um edifício de um ou dois quartos”, afirma.
Segundo Fernanda Basques, a grande mudança ocorrida com a Covid-19 foi que as pessoas passaram a dar ao espaço da casa uma importância que antes ele não tinha, pois as pessoas passavam mais tempo fora, no trabalho, do que no local onde moram, que era usado para o descanso por algumas horas e o sono. Por isso, a valorização dos apartamentos de cobertura e daqueles com área privativa, como também detectou o estudo da Zap Imóveis.
No levantamento de maio, os itens considerados mais importantes eram “imóveis localizados em uma vizinhança com mais comércios e mais serviços” (68% dos entrevistados), “imóveis mais bem divididos” (63%), “imóvel com varanda” (57%) e “imóvel com visão desimpedida” (55%). Todas as respostas guardam relação do imóvel com a sensação de conforto como forma de compensação pelo desconforto que a pandemia causava. “Com o coronavírus, a classe média passou a perceber a casa como o centro de sua vida, como o local que organiza tanto o trabalho quanto a família”, afirmou Fernanda Basques.
Boom de reformas – Esse novo cenário explica também, segundo ela, o boom dos projetos de reforma de imóveis ocorrido em plena pandemia. “Em todos os níveis, a classe média começou a perceber que mora muito mal”, afirmou a arquiteta, que prevê, para os próximos meses, movimento no sentido inverso ao do que predominava antes da pandemia, quando as pessoas fechavam as varandas para que tivessem um ganho na área útil interna dos apartamentos. O mesmo fechamento era feito por aqueles que tinham apartamento de cobertura. “Hoje, todo lugar que possa garantir um direito ao céu foi valorizado e virou peça fundamental no mercado imobiliário para venda do imóvel”, afirma a arquiteta.
Essa nova tendência irá se traduzir, de acordo com arquiteto e urbanista Sérgio Myssior, na valorização de algo que, especialmente nos projetos de imóveis comerciais, estava desaparecendo, que é o aproveitamento da ventilação cruzada. Nesse modelo, o ar literalmente “cruza” o imóvel. Por isso, o nome “ventilação cruzada”.
Em praticamente todos os grandes edifícios de salas construídos nas últimas décadas em Belo Horizonte, as janelas ficam fechadas e a ventilação é feita por meio de sistemas de ar condicionado central ou individuais. Por fora, os prédios são revestidos por vidros espelhados, as chamadas “peles de vidro”. Trata-se de algo que o arquiteto e urbanista Sérgio Myssior definiu como uma “disfunção” da arquitetura, que estava colocando as pessoas confinadas em um ambiente sem ventilação natural em um país de clima tropical, como o Brasil.
Bernardo Farkasvölgyi inclui os projetos de shoppings como os espaços comerciais que também sofrerão mudanças no pós-pandemia. A principal delas será a substituição dos modelos de shopping fechados, com ar condicionado, por modelos abertos e com ventilação natural. “O modelo de shopping com ar condicionado está em desuso”, afirma Bernardo Farkasvölgyi, que está projetando um empreendimento de 30 mil metros quadrados de área construída totalmente aberto, com ventilação natural. “É um projeto de três anos atrás que ficou superatual”, afirma o arquiteto.
Vazio urbano – No sobe e desce das tendências de arquitetura, em um cenário onde o home office ganhou força, é possível prever que a região da Savassi, que é pontilhada por dezenas de edifícios comerciais caminha para ser um espaço urbano em decadência? Algo como é hoje a região do chamado “Baixo Belô”, como é conhecida a área urbana que fica à direita da avenida Afonso Pena, após o Parque Municipal, com suas dezenas de lojas fechadas?
Fernanda Basques, Bernardo Farkasvölgyi e Sérgio Myssior acham que ainda é cedo para se falar em algo mais conclusivo nesse sentido, pois não se tem, ainda, uma dimensão real do impacto do home office sobre os imóveis comerciais. Farkasvölgyi chama a atenção para a necessidade de se considerar, por exemplo, que quem tem criança em casa talvez não se adapte a um home office mais prolongado. “Não sabemos se isso [home office] vai perdurar”, afirma Fernanda Basques.
A socióloga e doutora em Gestão de Cidades, Janaina Maquiaveli Cardoso, também acha que ainda é muito cedo para se fazer qualquer afirmação no sentido de que a região da Savassi venha a ter o mesmo destino do “Baixo Belô”. Segundo ela, o esvaziamento dos grandes edifícios de escritórios poderá gerar um movimento até em sentido inverso. É que com a virtual redução dos valores dos aluguéis de salas, especialmente na região da Savassi, é possível que muitos destes espaços passem e ser acessíveis a pessoas que não estejam conseguindo manter seus espaços de trabalho em casa.
Sérgio Myssior enxerga nessa dinâmica uma possível valorização dos espaços de coworking, que passariam a ser acessíveis, por exemplo, a pequenas e médias empresas prestadoras de serviço. “A Savassi talvez venha a ter uma outra configuração”, afirma Janaina Maquiaveli que, cautelosa, acha que o cenário real traçado pelos dias de confinamento na pandemia talvez não se confirme integralmente no mundo real. “As primeiras previsões sempre tendem a ser muito dramáticas”, afirma ela. (Conteúdo produzido pela SME)
Leia também: Estudiosos dizem como serão as grandes cidades no pós-pandemia
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