Década de 1930: um período de transição

Minas começa a sair de uma economia essencialmente agrária e se prepara para uma “revolução industrial”; nasce o DC

5 de julho de 2022 às 0h29

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Praça Raul Soares em 1936: no período, o comércio da capital mineira se desenvolvia, principalmente, no Centro | Crédito: Arquivo Nacional

É preciso saber do passado para que erros não se repitam e para que os acertos sirvam de inspiração para o presente e para o futuro. Como parte das comemorações dos 90 anos do DIÁRIO DO COMÉRCIO, o jornal presenteia leitores e internautas com um pouquinho da história da economia de Minas Gerais nas últimas nove décadas. Na série especial “Há 90 anos”, serão publicadas, quinzenalmente, reportagens especiais abordando os principais fatos econômicos que marcaram épocas.

Nesta primeira reportagem da série, o assunto é a década de 1930, definida por historiadores como um divisor de águas, um período de estruturação do País e do Estado para uma revolução industrial tardia. Também é a década quando nasce o DIÁRIO DO COMÉRCIO. O DC surge em 1932 com o nome de “Informador Comercial”, sendo um importante indutor do progresso em Minas Gerais.

A década de 1930 começa com um contexto econômico desafiador, devido aos impactos da crise de 1929 em todo o mundo. Houve desequilíbrio na produção mundial que afetou, principalmente, países do chamado Terceiro Mundo, exportadores de commodities e importadores de produtos finais. O Brasil tinha a economia baseada nas exportações de café. São Paulo era o maior produtor do grão, mas Minas tinha uma participação importante também. Em relação aos produtos industrializados, o País importava quase tudo o que consumia, sendo totalmente dependente de países do chamado Primeiro Mundo.

Mas, para entender como se deram os efeitos da Depressão de 1929 que se estenderam ao longo década de 30, especificamente em Minas Gerais, é preciso compreender o cenário econômico mineiro anterior à chamada “Grande Depressão”. 

Segundo o doutor em História Social Mário Lanna Júnior, professor do Departamento de História da PUC-Minas, desde o período da decadência do ciclo do ouro, no final do século 18, o Estado foi forçado a diversificar a economia. Dessa forma, em 1930, “Minas já era um mosaico de regiões com atividades distintas”.

“Era plantação de café, criação de gado, pequenas indústrias manufatureiras de móveis, de couro, de tecidos, produção de queijo, produção de toucinho. Era o grande celeiro alimentar do Brasil e também produtor de minério”, relatou. Segundo Lanna Júnior, tirando o café, praticamente toda a produção era voltada ao mercado interno. Algumas pequenas indústrias, que funcionavam na região Central, Sul de Minas e na Zona da Mata, eram, em sua maioria, manufaturas voltadas ao setor cafeeiro paulista ou ao Rio de Janeiro.

“Minas era essa diversificação toda, mas sem o protagonismo econômico de antes, vivido no ciclo do ouro. Por isso, as elites mineiras vão entrar em um embate muito forte com o exclusivismo da economia cafeeira paulista, propondo uma política de industrialização. Era estratégico para Minas Gerais que a indústria no Brasil crescesse, porque já se sabia desde o final do século 19 que o Estado era rico em minério de ferro e que eram grandes as oportunidades para a siderurgia”.

Com o “crash” de 1929, tudo mudou. Houve um baque para as exportações de café e também nas importações de produtos industrializados. Começaram a faltar vários itens. Getúlio Vargas havia tomado o poder na chamada “Revolução de 1930” e se autoproclamado presidente, defendendo exatamente a bandeira da industrialização, tão badalada pela elite financeira de Minas Gerais.

Substituição das importações

Vargas precisou adotar a política da substituição de importações, orientada por organizações internacionais. “A produção interna tinha que suprir as necessidades antes satisfeitas pelas importações. No processo de substituição de importações, o Estado tornou-se propulsor da industrialização no Brasil”, explicou o doutor em economia Cândido Luiz de Lima Fernandes, que deu aulas na UFMG, na Fundação Dom Cabral, entre outras instituições.

Segundo ele, em Minas, Benedito Valadares, um deputado federal oriundo de Pará de Minas, foi nomeado em 1933, de forma surpreendente, por Getúlio Vargas. Primeiro ele foi interventor do Estado, tornando-se mais tarde governador, no Estado Novo, cargo que exerceu até 1945. Conforme Fernandes, o governador Valadares era fiel a Getúlio e, seguindo à risca a política econômica do governo federal, Valadares focou, desde o início de sua gestão, a estruturação de Minas Gerais para uma “Revolução Industrial”.

Valadares foi nomeado interventor de Minas pelo então presidente Vargas | Crédito: Arquivo Nacional

Valadares busca estruturar o Estado

Entre os feitos do governador Benedito Valadares ao longo da década de 1930, historiadores destacam a expansão de instituições de fomento à economia. Arquivos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) apontam que o governador, em sua longa gestão (o maior mandato em toda a história mineira), ampliou atribuições do Banco Mineiro de Produção, reorganizou a Caixa Econômica Estadual e, por autorização do governo federal, levou o governo de Minas a assumir o Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, antes controlado por franceses.

Como a agricultura e a produção de alimentos eram atividades muito fortes em Minas Gerais, Valadares buscou industrializar e profissionalizar esses setores. Uma das iniciativas foi a criação da Escola de Indústrias Cândido Tostes, em Juiz de Fora, entre outras voltadas à indústria alimentícia.

O interventor e governador também criou o Conselho de Propaganda e Expansão Econômica de Minas Gerais em alinhamento com o Conselho Federal de Comércio Exterior. Implantou um departamento de estatística para nortear investimentos públicos e buscou projetar Belo Horizonte e o Estado com a criação da Rádio Inconfidência e da Feira Permanente de Amostras.

Essa feira foi inaugurada em 1936, no local onde hoje é a Rodoviária de BH. “Era o prédio mais alto de BH, um local para expor todas as riquezas do Estado, desde o maior diamante encontrado até produtos alimentícios para projetar Beagá para o mundo e tirar o estigma de roça grande. Mas o local acabou tendo uma vocação para o entretenimento, com apresentações de músicos, peças de teatro, ponto de encontro”, relatou o historiador Mário Lanna. A feira funcionou até 1965, quando foi demolida para dar lugar à Rodoviária de BH.

Outro feito de Valadares está relacionado à energia. Um dos problemas para alavancar a industrialização na década de 1930 era a geração de energia elétrica. Não havia uma companhia estatal, tampouco um sistema integrado nacional como existe hoje. O que existiam eram pequenas unidades geradoras particulares, controladas por estrangeiros ou dentro de pequenas indústrias. Foi nesse contexto que Benedito Valadares decidiu, em 1939, iniciar a construção da usina de Gafanhoto, hoje pertencente à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Mas a obra só foi concluída na segunda metade da década seguinte.

Belo Horizonte

Na capital mineira, o comércio se desenvolvia, principalmente no centro da cidade. No entanto, segundo a historiadora e professora do Departamento de História da PUC-Minas Júlia Calvo, Belo Horizonte já lutava nos anos 30 para acabar com o estigma de “roça grande”. “BH foi planejada como uma cidade moderna, mas era apenas o centro administrativo do Estado, com um comércio que crescia. Essa modernização proposta com a criação da cidade lá no fim do século 19 não veio ainda na década de 30. Ela só vai chegar mais tarde, nos anos 40, com JK”, destacou.

Ao longo da década de 1930, Belo Horizonte teve cinco prefeitos – Luiz Barbosa Gonçalves Pena (PRM), Otávio Goulart Pena (PRM), José Soares de Matos (PRM), Otacílio Negrão de Lima (PRM) e José Osvaldo de Araújo (PP). Todos tinham em comum um propósito: tornar BH, uma cidade planejada para ser moderna, realmente moderna. E todos trabalharam nessa linha, com destaque para Otacílio Negrão de Lima, que iniciou desapropriações na região da Pampulha já com grandes planos para a região, concretizados na década de 1940 por Juscelino Kubitschek.

Também tiveram início na segunda metade da década de 30 as discussões para a criação da Cidade Industrial em Contagem. “BH tinha um planejamento para ser moderna, mas dentro ali da linha da avenida Contorno não havia área para o desenvolvimento industrial. Foi aí que se pensou na desapropriação de fazendas na região de Contagem, que tinha um relevo mais favorável, localização estratégica e água em abundância”, contou o historiador Mário Lanna.

Farqhuar liderou projeto em Itabira | Crédito: Reprodução

Ampliação da siderurgia e a Itabira Iron

Nos anos 30, discutia-se no Brasil a necessidade de ampliação da siderurgia nacional. A maior siderúrgica da América Latina estava instalada em Sabará. Era a Belgo Mineira, hoje ArcelorMittal. Mas a produção da Belgo não era suficiente para atender à demanda nacional de industrialização que se apresentava nos anos 30. O pós-doutor em história econômica pela London School of Economics Sérgio Birchal, que é professor da universidade norte-americana Broward College e da Skema Business School, destaca que o potencial de Minas Gerais para a ampliação da siderurgia já era óbvio na época.

“As ricas jazidas de minério de ferro no Estado já eram conhecidas mundo afora desde o final do século 19. E o consórcio internacional Itabira Iron Ore Company já sabia muito bem disso e estava de olho. Tratou logo de adquirir as principais jazidas para um plano ambicioso e veio fazendo isso ao longo da década de 20”.

Conforme Birchal, liderado por Percival Farquhar, o projeto, totalmente bancado por capital estrangeiro, envolvia extração de minério de ferro, criação de um complexo siderúrgico e infraestrutura ferroviária (Vitória-Minas) para a exportação.

“Porém, era um contrato polêmico, que colocava em xeque interesses nacionais, e muitos o acusavam de entregar riquezas de Minas para a exploração estrangeira. Houve muita resistência interna. Até que veio a crise de 1929 e o Farquhar não conseguiu, ao longo dos anos 30, os investimentos que ele necessitava. Até que em 1939, o contrato de concessão de exploração foi cancelado e, na década seguinte (1942), criou-se a Companhia Vale do Rio Doce”, relatou.

Curiosidades sobre a década de 1930

– Benedito Valadares foi o político que governou Minas Gerais por mais tempo: 12 anos. Tinha um relacionamento de “Pai e filho” com Getúlio Vargas

– Muitos acadêmicos e historiadores chegaram a dizer que a expressão “Será o Benedito?” surgiu em razão da escolha surpreendente de Benedito Valadares para governar Minas Gerais feita por Getúlio Vargas, pois ninguém esperava. Porém, em uma pesquisa aprofundada, historiadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram que a expressão veio da marchinha de Carnaval “Todas as meninas vão perguntar: Será o Benedicto?”, que caiu na boca do povo.

  • O então prefeito de BH Otacílio Negrão de Lima já vislumbrava o desenvolvimento da Pampulha antes de JK e desapropriou áreas na região pensando nisso.
  • Pedro Aleixo, Milton Campos, Antônio Carlos, Cristiano Machado, Bias Fortes e Levindo Coelho foram nomes que participaram direta ou indiretamente da política mineira nos anos de 1930.

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