Sentimentos e emoções idênticos

30 de janeiro de 2020 às 0h01

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Crédito: PXHERE

Cesar Vanucci *

“O que supera o fazer e o saber é o Amor.” (Oração do Bhagavad-Gita)

O chamamento ecumênico é antídoto poderoso contra os deletérios conceitos disseminados pelas falanges fundamentalistas de quaisquer matizes. Afigura-se oportuno, à vista disso, divulgar outra vez mais informações que comprovam a similaridade de sentimentos e emoções presentes nos diálogos de diferentes culturas com a Suprema Divindade.

As malquerenças de cunho religioso que, volta e meia, no curso da história, desembocam em inenarráveis tragédias, estão em gritante dissonância com os textos sagrados, de louvor à divindade, das diferentes culturas e tendências. É o que se deflui, de forma prazerosa, da releitura de livro muito especial, elaborado por um frade dominicano que conhecemos nos anos 50. Ele se chamava frei Raimundo Cintra. Faleceu no final da década de 60. Compunha o quadro sacerdotal responsável pelos bons trabalhos desenvolvidos na paróquia de São Domingos, onde se acham localizados a casa matriz da congregação dominicana no Brasil e um dos mais belos templos do acervo arquitetônico católico.

Ministrando curso de História das religiões, Raimundo Cintra produziu bela antologia, enfeixando orações que exprimem a relevância do ecumenismo. Tal circunstância foi muito bem captada pela empresária cultural Rose Marie Muraro. Assinalando que o livro constituiu “fenômeno único” em seu itinerário pessoal de vida, Rose registra que, por meio dele, “pude perceber como todas as religiões em seus cumes místicos falam a mesma linguagem em todos os espaços e todos os tempos: a linguagem da ligação com a totalidade.” Intitulada “As mais belas orações de todos os tempos”, envolvendo como coautora, responsável pela seleção e tradução de textos, a já citada pensadora, e contando com prefácio de ninguém mais nem menos do que Tristão de Athayde, o inesquecível Alceu Amoroso Lima, a obra é um cântico universal por onde a voz da humanidade se eleva a Deus. O próprio frei Cintra fala, na introdução, dos caminhos que, desde sempre, conduzem o homem a Deus: a busca do amor, da verdade e da beleza. Mostra, também, que a oração é uma atitude vital. Uma forma de liberação dos mais nobres impulsos da alma em direção ao Absoluto, ao Inominado, a Deus.

Nas orações que compõem a primorosa coletânea, tanto nas dos chamados povos primitivos, dos povos da antiguidade, quanto nas dos povos da chamada era moderna da civilização, o que se percebe, com clareza, é uma identificação bastante forte em termos de emoções e de sentimentos. Algo que extrapola tempo, território, conceitos culturais, dogmas, regras, latitudes físicas e psicológicas e que torna a aventura humana uma procura amorável e fascinante de integração com o cosmos.

“Deus é aquele que sentimos em nós quando praticamos uma boa ação.” Haverá quem discorde, não importa a crença religiosa a que esteja vinculado, do teor da mensagem de singela beleza extraída dessa prece do povo iename, tribo que povoou, em tempos idos, as terras norte-americanas?

Em suas invocações ao Altíssimo, os gregos do século VIII a.C. chamavam Zeus de rei soberano, “pai dos deuses e dos homens”. E proclamavam, com fervor: “Um sinal apenas de sua fronte basta para sacudir o Universo! És justo e poderoso, punes implacavelmente os maus, fulminas os orgulhosos, recompensas os bons e os humildes. (…) Tu, que trovejas do alto dos céus, sentado no palácio das regiões superiores, inspira-me a justiça e a verdade.”

Neste “versículo da luz”, atribuído ao profeta Maomé, os muçulmanos expressam sua devoção a Alá: “Deus é a luz dos céus e da terra. Sua luz é como um nicho onde se acha uma lâmpada. E este é como um astro brilhante. Seu óleo provém de uma oliveira abençoada. Que não vem do Oriente, nem do Ocidente. (…) Deus guia quem ele quer para a Sua luz. Ele se exprime em símbolos para os homens. Ele mesmo é onisciente.”

Numa prece a Viracocha, das tradições incas, louva-se com estas palavras a divindade: “Senhor antigo, Senhor longínquo (…) que criou e estabeleceu todas as coisas, dizendo: que seja o homem, que exista a mulher, (…) permitirá que eu possa viver em bravura, em segurança (…) multiplica Seu povo sobre a terra, aumenta o número de Seus filhos.”

O “Hino a Horus”, entoado pelos egípcios na época dos faraós, invoca o “Pastor que apascenta o rebanho” e que “habita nas profundezas do céu”, pedindo-lhe assegure aos homens “vida e repouso”, lembrando que “a terra inteira, quando surges, se prostra em oração, para Te adorar.”

A substanciosa coletânea revela ser a linguagem dos corações fervorosos universal e permanente. Igual em todos os tempos e em todas as partes. É só comparar as ligeiras amostras reunidas com as preces feitas em nosso cotidiano. Textos como os enunciados ajudam a entender o sentido da vida. E a enaltecer o ideal ecumênico, alojado nas mentes mais espiritualizadas ao longo da extensa jornada humana pela pátria terrena.

* Jornalista, Presidente da Academia Municipalista de Letras (cantonius1@yahoo.com.br)

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