EDITORIAL | Mudar para não mudar

16 de janeiro de 2020 às 0h00

A corrupção na esfera pública esteve no centro das atenções nos últimos quatro ou cinco anos e foi pretexto para mudanças políticas contundentes, sob o pretexto de que o País estaria, finalmente, trilhando o caminho dos bons costumes.

Não é o que parece ter acontecido, reforçando a tese de que os movimentos pela ética e pelo fim da corrupção foram impulsionados muito mais por ambições que propriamente por virtudes. Em reforço dessa ideia chamam atenção manobras, na esfera legislativa, visando proteger políticos, em última análise mantendo-os acima da lei.

Estamos falando das discussões sobre o chamado “foro privilegiado”, paralisadas há dois anos na Câmara dos Deputados e que deve voltar aos debates neste ano, porém com o cuidado de proteger aqueles que não deveriam ser protegidos. Ou, em termos mais crus, deixar tudo como estava, pelo menos para os cidadãos de primeira classe, justamente os mais de 50 mil com direito ao foro privilegiado.

Apenas para comparação, nos Estados Unidos, só uma pessoa, o presidente da República, conta com tal prerrogativa. No Brasil, Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Álvaro Dias, aprovada no Senado há 2 anos e trancada na Câmara, reduziria a apenas cinco – presidente da República, vice-presidente, presidente da Câmara, presidente do Senado e presidente do Supremo Tribunal Federal – as autoridades com acesso ao foro.
Faz todo sentido, mas não evidentemente para os excluídos, que já se movimentam, sem pudor ou qualquer disfarce, buscando que não lhes escape o manto da virtual impunidade.

E nessas tentativas, que já acumulam dois anos de sucesso, são apenas retóricos os sinais de repúdio à corrupção, da mesma forma que, e muito curiosamente, não são percebidas as divisões que marcam a política brasileira na atualidade e se reproduzem em parte da sociedade, em que a intolerância foi transformada num ingrediente igualmente muito preocupante.

Um dos pontos a serem discutidos é justamente o impedimento ao juiz de primeira instância de decretar medidas cautelares contra políticos, como prisão, quebra se sigilo bancário e telefônico, além de ordem de busca e apreensão. Curioso, além de sintomático, é que se argumenta que a questão é proteger políticos do “ativismo” de juízes de primeira instância.

Aceitar como válido tal argumento, num ambiente de mínima seriedade, seria o mesmo que colocar em dúvida os procedimentos até agora adotados, que implicaram em condenações, e por consequência mudanças drásticas na representação política.

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