VIVER EM VOZ ALTA | O whatsApp

6 de março de 2020 às 0h15

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Crédito: Divulgação

Rogério Faria Tavares*

Permaneço sem o whatsApp. Não tenho nada contra qualquer canal de comunicação, mas, até agora, não houve quem me convencesse de que os seus benefícios sejam superiores aos ônus que acarreta.

“Como você consegue viver sem ele?” A resposta é simples: “Vivi a vida toda sem ele. E continuo vivendo. Nada até agora indicou que a minha saúde ou a minha felicidade foram prejudicadas…” Outra abordagem exalta a velocidade das interações: ‘A vida muda. Tudo fica mais rápido’.

Penso cá comigo: para que preciso correr ainda mais do que já corro? Para não sentir nem usufruir a vida? É o que parece. É claro que há muitas demandas profissionais que impelem as pessoas a aderirem a essa prática, o que merece ser respeitado.

O que me incomoda é o seu caráter traiçoeiro. Por conta dele, as pessoas estão negligenciando a importância do descanso, da pausa, da trégua… Trabalham o tempo todo. Estão sempre acessíveis, interagindo incessantemente com uma massa imensa de ‘amigos virtuais’, uma rede de contatos que tomará ciência, imediatamente, se as mensagens enviadas foram ou não foram lidas. Quer controle maior? Se o uso moderado do whatsApp fosse a tônica, ok. Mas parece que o negócio vicia.

Sei de gente que acorda de madrugada para verificar sua conta. Outros o fazem no trânsito, criando, para si mesmos, situações de evidente perigo.

Às vezes, prefiro dizer a quem me interpela: “Não tenho whatsApp porque tenho duas crianças”. Digo isso porque sei que é comum, hoje em dia, as pessoas passarem horas coladas ao celular, conferindo o que chegou, sem sequer notar o que se passa em seu entorno. Não importa onde estejam.

Se estão em casa, a conduta é a mesma, e os filhos têm que aprender a conviver com aquela “presença ausente”, a cabeça curvada sobre os ombros, projetada para frente, os olhos vidrados na telinha, a respiração suspensa. Só os dedos continuam ágeis, digitando qualquer coisa sem importância, para gente de quem sequer conhecem o rosto.

“Ah, mas os grupos são muito úteis, valiosos, práticos”. Sim, em alguns poucos casos isso é verdade, sobretudo se os seus integrantes obedecem às regras básicas do bom senso e da educação e não escrevem sobre temas alheios ao motivo pelo qual a comunidade foi criada.

É estranho, mas ouço frequentemente as pessoas dizerem que fulano postou um comentário absurdo, constrangeu beltrano, ofendeu sicrano. O que antes era raridade agora parece ocorrer toda hora. Não sei como algumas pessoas ainda se prestam a conviver com esses tipos, em geral muito valentes apenas nas redes sociais.

Se é espaço em que prosperam os xingamentos, também parece lugar propício para a divulgação de mentiras, que se alastram como pólvora, produzindo estragos muitas vezes irreversíveis e de amplo alcance, e formando um ambiente, como visto, bastante insalubre.

“Ah, você é contra a evolução dos tempos, as mudanças”. Não, nada disso. Mesmo porque seria inútil atuar contra as transformações, o único fenômeno realmente constante no planeta. O que defendo é uma postura cautelosa, que preserve os limites que julgo saudáveis para a vida em sociedade. É muito bom ser o senhor desse tipo de recurso tecnológico, não o seu escravo.

* Jornalista e presidente da Academia Mineira de Letras

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