Ao contrário do que se imagina, uma viagem para Paris — aclamada mundialmente por sua arte, gastronomia e atmosfera romântica — pode não ser apenas um conto de fadas. Em alguns casos raros, a experiência pode desencadear um quadro psicológico intenso, conhecido como Síndrome de Paris, um transtorno caracterizado por sintomas como alucinações, ansiedade aguda e desorientação.
O fenômeno, embora não reconhecido oficialmente pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), já foi identificado por médicos e psiquiatras desde a década de 1980 e continua a despertar interesse da comunidade científica internacional.
A condição foi descrita pela primeira vez em 1980 pelo psiquiatra japonês Hiroaki Ota, que trabalhava no hospital Sainte-Anne, em Paris. Ota observou que diversos turistas japoneses apresentavam sintomas físicos e psicológicos graves após a chegada à cidade. Entre os relatos mais comuns estavam taquicardia, tontura, alucinações, sudorese, náusea, sensação de perseguição e forte desilusão emocional.
Segundo especialistas, trata-se de uma forma extrema de choque cultural — uma reação intensa ao confronto entre expectativas idealizadas sobre o destino e a realidade encontrada no local. “É uma espécie de colapso mental desencadeado por uma dissonância simbólica entre a cultura de origem e a cultura local”, define o sociólogo Mathieu Deflem.
Por que a síndrome afeta mais turistas japoneses?
A maior incidência da Síndrome de Paris entre os japoneses pode ser explicada por uma série de fatores:
- Idealização midiática: Paris é amplamente retratada em filmes, livros e propagandas como um local romântico, sofisticado e culturalmente refinado. Produções como Amélie, Before Sunset e An American in Paris reforçam essa imagem onírica.
- Diferenças culturais marcantes: a educação, as normas sociais e o comportamento francês — que pode parecer frio ou rude — contrastam com a cultura japonesa, que valoriza a cortesia, o silêncio e a coletividade.
- Barreiras linguísticas e isolamento social, que aumentam a sensação de solidão e desamparo.
- Distúrbios psicológicos preexistentes e fadiga causada pelas longas viagens internacionais também podem contribuir para desencadear o transtorno.
De acordo com a embaixada do Japão em Paris, até 12 casos por ano já foram registrados oficialmente, com necessidade de repatriação médica em situações mais graves. Um caso emblemático ocorreu em 2007, quando quatro turistas japoneses foram enviados de volta ao país após desenvolverem a crença de que estavam sendo espionados em seus quartos de hotel.
Não apenas entre japoneses
Embora os japoneses sejam os mais afetados — em parte por representarem o quinto maior mercado turístico de Paris —, a Síndrome de Paris não se restringe a uma única nacionalidade. Relatos semelhantes já foram feitos por turistas de outras partes do mundo, que se sentiram desorientados ou emocionalmente abalados diante da realidade urbana da capital francesa.
O psiquiatra Youcef Mahmoudia, do hospital Hôtel-Dieu, em Paris, relaciona o transtorno a uma psicopatologia de viagem, similar à Síndrome de Stendhal — condição em que o contato com um excesso de beleza artística pode provocar sintomas como vertigem, euforia ou angústia.