Ela incomoda nas cozinhas e é facilmente descartada com um tapa. Mas a mosca-das-frutas (Drosophila melanogaster), vista pelo senso comum como um inseto indesejado, ocupa posição de destaque na ciência mundial. Responsável por seis prêmios Nobel, tornou-se um dos organismos mais estudados do planeta e hoje é considerada uma aliada estratégica na investigação de doenças complexas como Alzheimer, Parkinson, câncer, diabetes, problemas cardíacos e até infecções por vírus como Zika e SARS-CoV-2.
O segredo da drosófila está em sua semelhança genética conosco. Estudos mostram que cerca de 75% dos genes ligados a doenças humanas têm equivalentes no inseto. Isso permite que cientistas observem em poucos dias — o ciclo de vida da mosca é curtíssimo — processos como envelhecimento, degeneração neuronal e proliferação celular.
Além disso, a manipulação genética é simples e rápida. Em laboratório, é possível ativar ou desativar genes específicos, testar drogas e até simular infecções virais. Com isso, a drosófila se transforma em um “atalho” para compreender mecanismos biológicos que, em humanos ou roedores, levariam meses e custariam muito mais caro.

Ciência de ponta com baixo custo
Econômica, a pesquisa com drosófilas custa apenas 10% do valor gasto em experimentos com camundongos. Um levantamento no Brasil mostra que manter um laboratório de moscas é quase três vezes mais barato do que um de culturas de células — e até sete vezes mais econômico se considerados apenas os consumíveis.
“Dez vezes mais biologia é obtida por dólar investido em drosófila do que em camundongo”, resume o geneticista Hugo Bellen, do Baylor College of Medicine.
Oportunidade para o Brasil
Em um país que enfrenta cortes crônicos em ciência, a drosófila pode ser a chave para fazer mais com menos, sem perda de relevância. Pesquisadores da UFRJ e da USP defendem que agências de fomento criem editais específicos para incentivar seu uso, transformando o inseto em ferramenta estratégica de soberania científica.
Assim, o inseto que muitos tentam espantar da fruteira pode, ironicamente, ajudar a salvar vidas — e a fortalecer a ciência brasileira diante da escassez de recursos.




