Quase 50 anos após uma perfuração do governo norte-americano revelar indícios inesperados de água doce sob o fundo do mar, a ciência confirmou a magnitude do achado. A Expedição 501, missão internacional inédita realizada neste verão no Hemisfério Norte, encontrou um aquífero subterrâneo que pode se estender de Nova Jersey até o estado do Maine, na costa nordeste dos Estados Unidos.
Instalados na plataforma Liftboat Robert, no Atlântico Norte, cientistas perfuraram o solo marinho ao largo de Cape Cod, em Massachusetts. O resultado surpreendeu: milhares de amostras de água doce foram coletadas, somando cerca de 50 mil litros, que agora serão analisados em laboratórios pelo mundo.
Segundo o geofísico Brandon Dugan, co-chefe da expedição, trata-se de um recurso “em um dos últimos lugares onde alguém provavelmente procuraria por água doce na Terra”. A missão envolveu especialistas de mais de uma dezena de países e contou com US$ 25 milhões de financiamento, parte vinda da Fundação Nacional de Ciência dos EUA e do Consórcio Europeu para Perfuração em Pesquisa Oceânica.
Potencial e dilemas globais
As primeiras estimativas apontam que o aquífero poderia abastecer uma cidade do tamanho de Nova York por até 800 anos. No entanto, os desafios são enormes: a extração é complexa, cara e suscita debates sobre quem teria direito à utilização da água e como fazê-lo sem comprometer os ecossistemas marinhos.
O achado surge em um momento crítico. De acordo com a ONU, a demanda global por água doce deve superar a oferta em 40% até 2030. O aumento do consumo por indústrias — especialmente data centers — e o impacto das mudanças climáticas sobre mananciais já colocam cidades inteiras em risco. Em 2018, por exemplo, a Cidade do Cabo, na África do Sul, quase ficou sem água para seus cinco milhões de habitantes.
Perspectivas para o futuro
Os cientistas agora tentam desvendar a origem do aquífero — se formado pelo derretimento de geleiras da última era do gelo, por conexões subterrâneas com o continente ou por ambos os fatores. A descoberta reforça a hipótese de que outros depósitos semelhantes existam em diferentes costas do planeta, inclusive no Brasil.
Enquanto a humanidade enfrenta a ameaça de escassez, esse “tesouro escondido” pode se transformar em alternativa vital, ainda que distante, para garantir água potável às próximas gerações.