A Justiça de Mato Grosso do Sul condenou o Estado e o Município de Campo Grande a pagar R$ 430 mil em indenizações e pensão mensal até 2095 ao pai biológico e ao pai afetivo de Sophia Ocampo, menina de dois anos assassinada em janeiro de 2023 após uma série de denúncias ignoradas de maus-tratos.
A decisão foi assinada pelo juiz Marcelo Andrade Campos Silva, da 4ª Vara de Fazenda Pública, e é considerada uma das mais duras sentenças já proferidas no país contra entes públicos em casos de omissão na proteção de crianças.
De acordo com a sentença, o Estado e o Município foram omissos diante das denúncias de agressão feitas desde 2021. Laudos e registros apontam que o pai de Sophia buscou ajuda em delegacias, conselhos tutelares e unidades de saúde, mas nenhuma providência efetiva foi tomada.
“As provas demonstram seguidas e sucessivas falhas dos agentes públicos municipais e estaduais, durante e após os atendimentos das ocorrências envolvendo Sophia”, escreveu o juiz.
A Justiça entendeu que, se os órgãos tivessem agido, a morte da menina poderia ter sido evitada. A condenação inclui danos morais e materiais, em forma de pensão vitalícia, a ser paga aos dois pais reconhecidos legalmente.

Indenização milionária e pensão até 2095
O pai biológico, Jean Carlos Ocampo da Rosa, receberá R$ 350 mil por danos morais, enquanto o pai afetivo, Igor de Andrade Silva Trindade, terá direito a R$ 80 mil, ambos com correção pela taxa Selic.
Além disso, o juiz determinou o pagamento de pensão mensal equivalente a dois terços do salário mínimo, sendo 70% destinados a Jean e 30% a Igor.
O benefício começará a ser pago em 2 de junho de 2034, data em que Sophia completaria 14 anos, e seguirá até 2 de junho de 2045, quando o valor será reduzido para um terço do salário mínimo. A pensão será encerrada em 2 de junho de 2095, quando a menina completaria 75 anos, conforme a expectativa de vida estimada pelo IBGE.
A sentença ainda determina que Estado e Município incluam os dois pais em folha de pagamento a partir de 2034, dividindo o valor igualmente. O magistrado justificou que o pagamento deve ser mensal, e não em parcela única, para manter seu caráter alimentar e compensatório.
Caso Sophia: falhas que custaram uma vida
Sophia de Jesus Ocampo morreu em 26 de janeiro de 2023, após ser levada já sem vida à UPA Coronel Antonino, em Campo Grande, pela mãe, Stephanie de Jesus da Silva, então com 25 anos.
Laudos apontaram que a criança havia morrido sete horas antes da chegada ao hospital, vítima de traumatismo na coluna e múltiplas lesões — e apresentava ainda sinais de abuso sexual.
O padrasto, Christian Campoçano Leitheim, foi condenado a 32 anos de prisão por homicídio qualificado e estupro de vulnerável.
A mãe, Stephanie, recebeu 20 anos de reclusão por omissão e maus-tratos.
Mensagens trocadas entre o casal revelaram o padrão de violência: em uma delas, Stephanie afirmou que a filha estava “toda arregaçada”, e Christian respondeu que havia “beliscado de leve”.
“Jogo de empurra” entre órgãos públicos
O processo judicial destacou que o pai biológico buscou ajuda repetidas vezes e foi vítima de um “jogo de empurra”entre órgãos públicos.
“O Estado imputava responsabilidade ao Município, e o Município ao Estado, enquanto a criança continuava sendo violentada”, registrou o juiz na decisão.
O magistrado ainda citou entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segundo o qual, mesmo quando a vítima é menor de idade, famílias de baixa renda têm direito à pensão vitalícia, considerando que o filho, ao se tornar adulto, contribuiria financeiramente com os pais.