Um caso inusitado ocorrido em São Paulo trouxe à tona uma informação que pode parecer surpreendente, mas é reconhecida pela medicina: em situações emergenciais, vodca comum pode ser usada como antídoto contra intoxicação por metanol, um tipo de álcool altamente tóxico.
No fim de setembro, o comerciante Cláudio Crespi foi internado em estado grave após consumir uma bebida alcoólica entre São Paulo e Guarulhos. Sem acesso ao antídoto ideal, os médicos do Hospital Municipal José Storopolli recorreram a uma solução improvável: a vodca que a sobrinha de Cláudio, a advogada Camila Crespi, tinha em casa.
“Na hora do desespero, a médica pediu um destilado. Eu lembrei da vodca russa que estava guardada há meses e levei para o hospital. Foi o que salvou meu tio”, contou Camila ao g1.
Durante quatro dias, a bebida foi administrada pela equipe médica enquanto o paciente passava por hemodiálise, procedimento necessário para remover as toxinas do corpo. Cláudio sobreviveu, mas ainda se recupera de sequelas na visão.
Como a vodca age como antídoto
De acordo com o hepatologista Rogério Alves, do Hospital Beneficência Portuguesa, o tratamento padrão para intoxicação por metanol é o uso do fomepizol, medicamento que impede que o fígado transforme o metanol em substâncias tóxicas, como formaldeído e ácido fórmico.
“Quando o fomepizol não está disponível, o etanol, presente em bebidas como a vodca, pode ser usado de forma emergencial para bloquear a mesma enzima”, explica Alves. “Isso dá tempo para que o corpo elimine o metanol com o auxílio da hemodiálise.”
O procedimento, embora eficaz em casos extremos, não deve ser feito fora do ambiente hospitalar, já que a dosagem precisa ser controlada e acompanhada por especialistas.
O avanço das bebidas falsificadas
O caso de Cláudio ocorre em meio a uma onda de intoxicações por metanol em São Paulo, que já soma mais de 20 suspeitas e seis mortes sob investigação, segundo o Ministério da Saúde. A principal hipótese é que bebidas falsificadastenham sido adulteradas com metanol para aumentar o volume da produção.
Operações recentes da Polícia Civil e da Polícia Federal encontraram fábricas clandestinas de bebidas no interior do Estado, incluindo uma em Americana, onde foram apreendidos equipamentos químicos e garrafas com rótulos falsos.
Especialistas alertam que o mercado ilegal de bebidas alcoólicas movimenta cerca de R$ 56,9 bilhões por ano no Brasil, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A prática inclui falsificação, contrabando e reutilização de garrafas originais — o chamado “refil” —, o que torna quase impossível identificar o produto adulterado apenas pela aparência.