Nos últimos dias, manchetes impactantes dominaram redes sociais e portais de notícias que o Brasil seria inabitável até 2070. A origem dessas manchetes está em um estudo científico publicado em 2020 na revista Science e posteriormente citado por um pesquisador da NASA em 2022 — mas a realidade é bem diferente da forma como o tema foi amplamente divulgado.
O estudo original, conduzido pelos cientistas Colin Raymond, Tom Matthews e Steven Sherwood, não cita diretamente o Brasil nem faz previsões de extinção nacional. O trabalho, intitulado “The emergence of heat and humidity too severe for human tolerance” (“O surgimento de calor e umidade severos demais para a tolerância humana”), analisa episódios de calor extremo, com foco na chamada temperatura de bulbo úmido, uma combinação entre calor e umidade que, quando atinge 35 °C, ultrapassa o limite fisiológico de sobrevivência humana mesmo para pessoas em repouso e saudáveis.
O que é temperatura de bulbo úmido e por que ela preocupa
Diferente da temperatura que vemos no termômetro tradicional, a temperatura de bulbo úmido leva em conta o impacto combinado da umidade e do calor no corpo humano. Quando essa temperatura atinge 35 °C, o corpo não consegue mais se resfriar através do suor, o que pode levar rapidamente à hipertermia e à morte, mesmo sem esforço físico.
Entre 1979 e 2017, os autores do estudo constataram que a frequência de eventos com bulbo úmido acima de 30 °C mais que dobrou no mundo. Os cientistas alertaram que, caso a temperatura média global ultrapasse os 2,5 °C em relação aos níveis pré-industriais, eventos de bulbo úmido acima de 35 °C poderão se tornar comuns em regiões tropicais e costeiras.
Brasil aparece como área vulnerável, mas cenário é reversível
Embora o Brasil não tenha sido citado no estudo original, o cientista Colin Raymond um, dos autores, mencionou em 2022, em uma publicação no blog da NASA, que partes do território brasileiro podem se tornar vulneráveis ao calor extremo até 2070, ao lado de regiões como o sudeste da Ásia, leste da China e Golfo Pérsico.
Regiões mencionadas como mais suscetíveis incluem o litoral do Sudeste (Rio de Janeiro, Santos), áreas próximas ao Rio Amazonas e cidades de clima úmido e densidade urbana alta, como Salvador. Esses locais combinam alta umidade, urbanização intensa e circulação de ar comprometida, criando um ambiente de alto risco para a ocorrência de eventos críticos de calor úmido.
A mensagem dos cientistas é clara: não se trata de um “fim do Brasil” programado, mas sim de um alerta crítico sobre a intensificação das ondas de calor em um cenário de aquecimento global — um fenômeno que, se ignorado, pode afetar seriamente a saúde pública, a economia e a qualidade de vida nas próximas décadas.