As águas cristalinas e a tranquilidade de Florianópolis atraem milhares de turistas todos os anos. Mas, entre os visitantes que chegam à capital catarinense, há um grupo crescente com um objetivo bastante específico: ter filhos em solo brasileiro. A prática, conhecida como “turismo de parto”, se expandiu entre russas, ucranianas e mulheres de outros países da antiga União Soviética, especialmente desde o início da guerra na Ucrânia.
O interesse está diretamente ligado à legislação brasileira. Pelo princípio do jus soli, todo bebê nascido no Brasil é automaticamente cidadão. Isso significa que, além do acesso gratuito ao Sistema Único de Saúde (SUS) — que cobre desde exames até o parto —, a criança recebe um passaporte que permite entrada sem visto em mais de 150 países, 29 posições acima do passaporte russo no ranking Henley Passport Index.
Para os pais, o benefício também é considerável: eles recebem autorização imediata de residência e, após um ano vivendo no país, podem solicitar a naturalização. “O passaporte brasileiro abre muito mais portas do que o russo. O turismo de parto virou estratégia para ampliar oportunidades de deslocamento internacional”, explica a socióloga Svetlana Ruseishvili, da UFSCar, que estuda o fenômeno.
Florianópolis no centro da rota
Embora cidades como São Paulo, Curitiba e Paraty também estejam no mapa dessas famílias, Florianópolis é considerada o destino preferido. O motivo: segurança, qualidade da rede hospitalar e custo relativamente baixo dos pacotes. Agências especializadas oferecem serviços que vão de simples assessoria documental a pacotes VIP, que incluem motorista particular, aluguel de imóveis mobiliados, aulas de português e até sessões de fotos.
No Hospital Universitário da UFSC, pelo menos 19 partos de mulheres russas foram registrados desde 2014. A movimentação chamou atenção do Ministério Público, que chegou a investigar possíveis casos de tráfico de crianças em 2019. A Polícia Federal, no entanto, não encontrou indícios de irregularidades.
Guerra e incertezas aceleram movimento
Segundo Olga Aliokhina Alves, sócia da Brazilmama, agência que atende famílias russófonas, a guerra na Ucrânia intensificou a procura. “Com o isolamento da Rússia, muita gente busca alternativas para garantir um futuro melhor aos filhos. Antes, a maioria voltava após o parto. Agora, muitos decidem ficar no Brasil”, afirma.
Enquanto países como a Argentina já apertaram regras para conter a prática, o Brasil mantém uma legislação que segue atraindo estrangeiros em busca do chamado “capital migratório”. Para Florianópolis, o fenômeno reforça sua imagem de destino paradisíaco — mas, para centenas de famílias russas, representa sobretudo uma porta de saída em tempos de incerteza.