Discreto, coberto por escamas que lembram armaduras medievais, o pangolim se tornou símbolo de uma contradição global: reverenciado em parte da Ásia como um “animal-milagre” da medicina tradicional, ele é também a espécie mais traficada do planeta. O valor de suas escamas pode ultrapassar R$ 100 milhões no mercado negro, apesar de não haver comprovação científica de qualquer efeito terapêutico.
Em março, o governo chinês anunciou a retirada do Guilingji, remédio que continha escamas de pangolim, de sua Farmacopeia 2025 — o manual oficial de medicamentos reconhecidos no país. O anúncio foi considerado um marco na proteção da vida selvagem, já que a fórmula era listada desde 1957 e tida como “receita secreta nacional”.
A decisão ocorre em meio à crescente pressão internacional e coincide com o sucesso do documentário Kulu: The Pangolin’s Journey, da Netflix, que mostra o resgate de um desses animais na África do Sul. A obra, que alcançou o top 10 mundial da plataforma, ajudou a dar visibilidade a uma espécie até então quase desconhecida do grande público.
O tráfico que não para
Apesar dos avanços, o comércio ilegal segue em ritmo alarmante. Apenas nos últimos anos, mais de 60 toneladas de escamas foram apreendidas na Nigéria, país que virou ponto estratégico para a exportação rumo à China e ao Vietnã. Recentemente, autoridades confiscaram 840 quilos de escamas — resultado da morte de milhares de pangolins.
O esquema envolve rotas sofisticadas, documentos falsificados e até corrupção em portos africanos. Para especialistas, o crime organizado que lucra com esse comércio tem vínculos com redes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
Uma luta pela sobrevivência
Desde 2017, o comércio internacional de pangolins e seus derivados está totalmente proibido pela CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas). Ainda assim, a demanda persiste, sustentada por crenças populares de que as escamas curariam problemas como artrite e infertilidade.
Ambientalistas defendem que a decisão da China pode ser um divisor de águas. “É um recado poderoso de que tradição não pode justificar a extinção”, disse um pesquisador da Wildlife Justice Commission.
Mas os especialistas alertam: sem redução da demanda na Ásia, nenhum esforço será suficiente para salvar o pangolim.