No dia em que o Japão lembrou os 80 anos de sua rendição na Segunda Guerra Mundial, o governo de Tóquio rompeu uma tradição que vinha desde os anos 1990: não emitiu uma declaração oficial de desculpas pelos crimes cometidos durante o conflito.
Apesar da efeméride simbólica, o primeiro-ministro Shigeru Ishiba limitou-se a um discurso durante a cerimônia nacional em Tóquio, onde estavam o imperador Naruhito e a imperatriz Masako, reafirmando apenas o compromisso com a paz. “Nunca devemos repetir a devastação da guerra. Jamais cometeremos um erro na escolha do caminho a seguir”, declarou, segundo a agência Kyodo.
Mais de 4 mil pessoas compareceram ao evento no Budokan Hall, mas a ausência de um gesto de desculpas formais foi interpretada como sinal de endurecimento na política de memória do país.
Santuário de guerra volta ao centro da polêmica
No mesmo dia, o ministro da Agricultura, Shinjiro Koizumi, visitou o Santuário Yasukuni, em Tóquio — local que homenageia mortos de guerra, mas também 14 criminosos de classe A julgados após 1945.
Acompanhado de dezenas de parlamentares do partido ultranacionalista Sanseito, Koizumi trouxe críticas à China e Coreia do Sul, países que associam o local ao passado militarista japonês. Ainda assim, o Yasukuni seguiu recebendo milhares de visitantes no aniversário da rendição anunciada pelo imperador Hirohito em 15 de agosto de 1945.
Feridas abertas: os crimes da Unidade 731
O silêncio oficial do governo contrasta com descobertas recentes e memórias ainda vivas das atrocidades cometidas por tropas japonesas. Documentos militares recém-liberados reacenderam pesquisas sobre a Unidade 731, divisão secreta do Exército Imperial responsável por experimentos de guerra biológica entre 1936 e 1945.
Estima-se que cerca de 3 mil prisioneiros foram mortos em experimentos, que incluíam vivisseções em civis e soldados chineses. Bioarmas desenvolvidas pelo programa podem ter matado milhares adicionais.

Um dos últimos sobreviventes ligados ao grupo, Hideo Shimizu, de 95 anos, revelou em entrevista à NPR ter visto corpos e restos humanos preservados em frascos, além de ter ficado doente após suspeitar que ele próprio foi alvo de testes. “O mais chocante para mim foi ver o corpo inteiro de uma mulher com um feto no útero, guardado em um frasco”, recordou.
Shimizu chegou a viajar à China para pedir desculpas pessoais, mas sofreu críticas no Japão por falar publicamente sobre o episódio. “É mais fácil nos vermos como vítimas, como nas bombas atômicas, do que reconhecer nosso papel como perpetradores”, disse o ex-professor Hideaki Hara, que organiza exposições sobre a Unidade 731 em Nagano.