Por décadas, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) foi tratado como um problema de comportamento, associado a rótulos como indisciplina, preguiça ou falta de esforço. Hoje, a ciência reconhece o TDAH como uma condição neuropsiquiátrica complexa, marcada por desatenção, impulsividade e hiperatividade — e fortemente ligada à genética.
Agora, uma descoberta inédita pode mudar a forma como o transtorno é compreendido. Um estudo publicado recentemente na revista Nature identificou três genes específicos cujas mutações raras podem aumentar em até 15 vezes o risco de uma pessoa desenvolver TDAH.
A pesquisa foi conduzida por uma equipe internacional liderada pelo centro iPSYCH, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Os cientistas analisaram o DNA de 8.895 pessoas com TDAH e compararam os dados com os de 53.780 indivíduos sem o transtorno, dobrando o tamanho da amostra em relação a estudos anteriores.
O resultado foi a identificação de variantes raras em três genes: MAP1A, ANO8 e ANK2. Diferentemente das milhares de variantes genéticas comuns já associadas ao TDAH — que aumentam o risco apenas de forma marginal — essas mutações raras têm efeito elevado e direto sobre o desenvolvimento do transtorno.
“Pela primeira vez, conseguimos apontar genes muito específicos nos quais variantes raras conferem uma forte predisposição ao TDAH”, afirmou o professor Anders Børglum, autor sênior do estudo.
Impacto no funcionamento do cérebro
Segundo os pesquisadores, essas variantes genéticas afetam diretamente a comunicação entre neurônios, interferindo em processos fundamentais do cérebro. As mutações impactam especialmente neurônios dopaminérgicos e GABAérgicos, que desempenham papel essencial na regulação da atenção, do controle de impulsos e da motivação — funções frequentemente alteradas em pessoas com TDAH.
O estudo também revelou que os genes identificados fazem parte de uma rede maior de proteínas envolvidas em outros transtornos do neurodesenvolvimento, como autismo e esquizofrenia, o que ajuda a explicar por que essas condições podem compartilhar características biológicas.
A análise cruzou dados genéticos com informações sobre escolaridade e condições socioeconômicas. Os resultados mostraram que indivíduos portadores dessas mutações raras tendem, em média, a apresentar menor desempenho educacional e maiores dificuldades socioeconômicas, padrões frequentemente observados em pessoas com TDAH.
Caminho para novos diagnósticos e tratamentos
Atualmente, o diagnóstico do TDAH é clínico, baseado em entrevistas, histórico familiar, avaliações comportamentais e registros escolares. Não existe, até hoje, um teste biológico ou genético específico para identificar o transtorno.
Segundo os pesquisadores, a descoberta abre caminho para que, no futuro, marcadores genéticos possam auxiliar na identificação precoce do risco, ainda antes do surgimento dos sintomas.




