Para entender Vladimir Putin, é preciso, antes, compreender Aleksandr Dugin. O filósofo e estrategista político russo, de 63 anos, é considerado por analistas como o principal pensador por trás da atual doutrina geopolítica do Kremlin.
Suas ideias ultranacionalistas e antiocidentais ajudaram a moldar a visão de mundo do presidente russo, sendo muitas vezes descrito como o “Rasputin de Putin”.
Um passado marcado pelo radicalismo
Nascido em Moscou em 1962, Dugin tem raízes familiares militares — seu pai foi coronel-general da inteligência soviética (GRU). Começou a vida como autodidata, após ser expulso do Instituto de Aviação de Moscou. Atuou como jornalista, tradutor e, ainda nos anos 1980, se associou à organização antissemita Pamyat, assumindo um papel de liderança na década seguinte, durante o colapso da URSS.
Nos anos 1990, Dugin se aproximou de grupos comunistas e nacionalistas, editou a revista Elementy e fundou a editora Arktogeya. Em 1997, publicou seu livro mais influente: Fundamentos da Geopolítica, considerado leitura essencial nos círculos militares russos. Nele, Dugin defende estratégias de desinformação, desestabilização e anexações territoriais para restaurar o poder global da Rússia.

O conceito de “império eurasiano”
A filosofia de Dugin, conhecida como eurasianismo, propõe uma identidade única para a Rússia — nem oriental, nem ocidental — e sim uma meganação que uniria povos eslavos sob uma civilização própria. Para ele, a principal missão desse império seria enfrentar a hegemonia liberal ocidental, liderada pelos Estados Unidos.
Dugin vê na Rússia ortodoxa um polo espiritual e geopolítico alternativo, capaz de unir Europa e Ásia sob liderança russa. Em sua visão, a existência de uma Ucrânia independente é uma ameaça direta a esse projeto.
Influência no Kremlin e além
O contato direto com o poder veio em 2000, quando conheceu Gleb Pavlovskii, um dos ideólogos do governo Putin. Pouco depois, o recém-eleito presidente declarou que “a Rússia sempre se viu como um país eurasiano”, em clara sintonia com os ideais de Dugin.
Desde então, o filósofo se tornou presença frequente na mídia russa, atuou como professor da Universidade Estatal de Moscou, organizou cursos para instituições militares e fundou o Partido Eurásia, em 2001. Suas ideias ganharam eco entre movimentos da nova direita europeia e da alt-right nos Estados Unidos.
Uma verdade “à la russa”
Dugin também é conhecido por sua interpretação pós-moderna da verdade. Em entrevista à BBC, afirmou: “A verdade é uma questão de crença. Temos nossa verdade russa especial, e você tem que aceitá-la”. Essa relativização serve de base para sua defesa da Rússia como força contrária à ordem liberal mundial.
Em sua obra e discursos, Dugin critica o globalismo, o liberalismo e os valores ocidentais. Para ele, a Rússia está destinada a liderar uma nova ordem baseada em espiritualidade, tradição e autoridade — uma visão que ecoa o fascismo europeu do século XX.
Um legado ideológico com impacto geopolítico
A anexação da Crimeia em 2014 e a invasão da Ucrânia são, segundo analistas, reflexos diretos das ideias de Dugin. Suas teorias geopolíticas influenciam não apenas a elite russa, mas também a forma como o país se posiciona frente ao Ocidente.
Como aponta o colunista David Von Drehle, Dugin revive mitos imperiais para justificar uma Rússia forte, gloriosa e dominante — uma resposta ideológica à perda de protagonismo após a queda soviética. Seu pensamento, misto de misticismo e nacionalismo, continua a moldar o presente e o futuro do poder russo.