Uma denúncia grave, exibida pelo programa Fantástico no último domingo (8), expôs uma ameaça à saúde pública que parece ter saído de um enredo de filme, mas é absolutamente real: alimentos como açaí, baião de dois, bolos e chocolates têm sido usados para envenenamento com trióxido de arsênio, um composto químico altamente letal. O caso mais chocante envolve a morte da adolescente Ana Luiza Neves, de 17 anos, em Minas Gerais, após consumir um bolo entregue por um motoboy.
O laudo pericial confirmou: o doce continha trióxido de arsênio, substância conhecida historicamente por seu uso em assassinatos silenciosos. O veneno foi adquirido facilmente pela internet. A autora do crime, também menor de idade, confessou o ato e cumpre medida socioeducativa.
Casos se espalham pelo país e revelam padrão macabro
Embora o episódio de Ana Luiza tenha ganhado notoriedade, o caso não é isolado. Centros de Toxicologia em diversos estados registraram ocorrências similares, envolvendo açaí, ovos de Páscoa, baião de dois e bolos caseiros contaminados com arsênio ou chumbinho — este último, proibido por lei.
No Rio Grande do Sul, quatro pessoas morreram após consumir um bolo com o mesmo veneno. A prática tem se repetido em diferentes regiões do país, e as vítimas, em sua maioria, desconheciam completamente o risco ao consumir os alimentos.
O trióxido de arsênio é usado na indústria e em tratamentos oncológicos, mas não é uma substância controlada no Brasil. Isso significa que qualquer pessoa pode adquiri-la, inclusive pela internet.
Dois projetos de lei foram apresentados no Congresso para tentar mudar essa realidade:
- PL 985/2025 – Proíbe a venda do arsênio sem identificação do comprador e comprovação de necessidade;
- PL 1381/2025 – Regula a comercialização, transporte e armazenamento da substância.
Ambos os projetos aguardam designação de relatores na Câmara dos Deputados e não têm previsão de tramitação. Enquanto isso, a ameaça persiste.
Falta de antídotos agrava quadro
Além da facilidade de compra, o Brasil enfrenta uma grave deficiência no acesso a antídotos para intoxicação por arsênio. De acordo com Patrícia Drummond, médica toxicologista e diretora da Associação Brasileira dos Centros de Intoxicação, o tratamento adequado é raro na maioria dos hospitais públicos.
O Ministério da Saúde informou que há previsão de criação de uma linha de cuidados para intoxicados apenas até 2030, o que gera críticas pela demora.
Urgência por regulamentação e informação
O episódio do Fantástico gerou forte repercussão nas redes sociais e chamou atenção para a urgente necessidade de regulamentar o uso e a venda do trióxido de arsênio, além de ampliar a fiscalização e garantir estrutura nos centros de saúde para lidar com intoxicações graves.
A Anvisa e o Ministério da Saúde ainda não anunciaram medidas emergenciais, mas a repercussão pode acelerar as discussões no Legislativo. Enquanto isso, especialistas recomendam que, diante de qualquer suspeita de envenenamento, o cidadão procure imediatamente um Centro de Toxicologia (CIATOX) e informe os sintomas.