Abrir uma conta bancária fora do Brasil pode parecer um passo simples para quem busca diversificar investimentos ou proteger o patrimônio. Mas há uma exigência pouco conhecida que pode virar um pesadelo para herdeiros e até comprometer parte dos valores guardados: a necessidade de abrir um inventário no exterior em caso de morte do titular.
Muita gente ignora que o Brasil não tem jurisdição sobre bens e contas mantidas fora do país. Isso significa que, se o correntista falecer, o saldo em sua conta internacional não entra automaticamente no inventário brasileiro — e só poderá ser acessado após um processo sucessório conduzido no país onde o dinheiro está aplicado.
De acordo com o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), os bens localizados fora do Brasil não integram o inventário processado em território nacional. Em decisão de agosto de 2024 (Recurso Especial 2.080.842), a Corte reforçou que o inventário brasileiro deve se limitar apenas aos bens situados aqui.
Na prática, isso obriga os herdeiros a abrirem dois processos de inventário:
- Um no Brasil, referente aos bens locais;
- Outro no exterior, no país onde estão as contas, imóveis ou investimentos.
E o problema não para por aí. Como o Brasil não possui acordo para evitar a bitributação de heranças, há risco de o mesmo patrimônio ser tributado duas vezes — uma no país estrangeiro e outra aqui.
Impostos e limites: quanto custa herdar no exterior
Nos Estados Unidos, por exemplo, estrangeiros não residentes têm isenção de imposto sobre herança apenas até US$ 60 mil (cerca de R$ 320 mil). Acima disso, o tributo pode chegar a 40%, dependendo do estado.
No Brasil, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) — cobrado pelos governos estaduais — pode chegar a 8%.
Além disso, alguns estados brasileiros, como São Paulo, vêm tentando tributar heranças de bens localizados fora do país, o que ainda gera disputas judiciais.
Leis diferentes, partilhas diferentes
Outro obstáculo é que cada país tem suas próprias regras de sucessão.
Enquanto no Brasil metade do patrimônio obrigatoriamente deve ir para os herdeiros necessários (cônjuge e descendentes), em lugares como os EUA, Reino Unido e Portugal, há maior liberdade testamentária.
Isso pode gerar conflitos entre o testamento feito no Brasil e a lei estrangeira.
“Não dá para o cliente que está morrendo transferir todo o patrimônio para uma conta lá fora, colocar a amante como herdeira e deixar mulher e filhos sem nada. Nessa situação, o Judiciário brasileiro pode desconstituir”, alerta Matheus Piconez, sócio do Veirano Advogados.
Existe alguma forma de evitar o inventário no exterior?
Alguns países oferecem instrumentos legais que facilitam a sucessão e podem evitar o processo de inventário. Um exemplo é o “joint tenancy with right of survivorship”, ou propriedade conjunta com direito de sobrevivência — mecanismo que transfere automaticamente os bens ao coproprietário após a morte de um dos titulares.
Essa opção existe em países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, mas não é reconhecida pela legislação brasileira.
Mesmo assim, o mecanismo não elimina a cobrança de impostos, tanto no exterior quanto no Brasil.