Quando se fala em disciplina e produtividade, a Alemanha quase sempre aparece como exemplo. Porém, um levantamento recente da OCDE desmonta o mito: os alemães são, na verdade, os que menos trabalham por ano entre os países desenvolvidos.
Segundo os dados, em 2024, a média anual de horas trabalhadas no país foi de 1.331, contra 1.898 na Grécia e 1.716 em Portugal. Nos Estados Unidos, a comparação é ainda mais gritante: a média passou de 1.800 horas.
Especialistas apontam que a explicação não está em uma suposta falta de empenho, mas na estrutura do mercado de trabalho. A participação feminina é altíssima — cerca de 77% das mulheres estão empregadas — mas muitas optam por contratos de meio período. Isso puxa a média de horas para baixo, sem significar menor produtividade.
Enzo Weber, pesquisador do Instituto para Pesquisa do Emprego (IAB), explica: “Na prática, mais pessoas estão incluídas no mercado de trabalho. O dado reflete matemática, não preguiça”.
Crise de identidade e novos desafios
Apesar dessa flexibilidade, a Alemanha enfrenta um momento delicado:
- Desemprego ultrapassou a marca de 3 milhões pela primeira vez em uma década;
- PIB encolheu por dois anos seguidos e já está abaixo do nível de 2019;
- Enquanto isso, países antes criticados por “não trabalharem o suficiente”, como Espanha e Grécia, crescem acima de 2% ao ano.
A situação gera um paradoxo para um país que impôs austeridade ao sul da Europa há pouco mais de dez anos.
A influência da Geração Z
O desejo de trabalhar menos, antes restrito a minorias, agora é um fenômeno geracional. Pesquisas mostram que quase 60% dos homens e metade das mulheres em tempo integral gostariam de reduzir a carga semanal em cerca de seis horas. Esse movimento ganhou força com a pandemia, que mostrou a viabilidade do trabalho remoto e flexível.
Caminhos possíveis
O dilema alemão é como equilibrar menos horas de trabalho com a necessidade de manter a prosperidade em meio a uma escassez de mão de obra qualificada, que pode chegar a 7 milhões de pessoas a menos até 2035.
A saída, segundo Weber, não é espremer os trabalhadores, mas investir em produtividade, digitalização, inteligência artificial e qualificação contínua. “Não precisamos de uma semana de quatro ou cinco dias. Precisamos de uma semana flexível, adaptada às fases da vida”, defende.