Por décadas, cientistas sabiam que o intestino e o cérebro estão em constante comunicação, trocando sinais sobre nutrientes como açúcares e gorduras para regular fome e saciedade. Mas uma descoberta feita por pesquisadores da Universidade Duke (EUA) sugere que essa conexão é ainda mais sofisticada: existe um “sexto sentido” no corpo humano, localizado no cólon, que monitora diretamente a atividade de bactérias e ajuda a controlar quanto comemos.
O estudo, publicado na revista Nature, batizou essa capacidade de “sentido neurobiótico”, uma espécie de sensor que se soma aos cinco sentidos clássicos (visão, audição, olfato, paladar e tato).
Como funciona esse novo sentido
O intestino humano abriga trilhões de microrganismos que participam da digestão e produção de vitaminas. Enquanto trabalham, essas bactérias liberam pequenas proteínas — entre elas, a flagelina, que compõe os “rabos” usados para locomoção.
Segundo os pesquisadores, células especializadas do intestino, chamadas células neuropod, reconhecem a flagelina usando um receptor chamado TLR5. Quando detectam a molécula:
- Produzem o hormônio PYY, responsável por reduzir o apetite.
- Ativam fibras do nervo vago, que levam o sinal diretamente ao tronco cerebral em questão de segundos.
- O cérebro, por sua vez, recebe a mensagem e reduz a vontade de comer, funcionando como um “freio natural” para a alimentação.
“Para coexistir com trilhões de microrganismos, o corpo precisa ter um sentido que ajuste nosso comportamento de acordo com eles”, explicam Diego Bohórquez e Maya Kaelberer, líderes do estudo.
Testes comprovam a importância do sistema
Para confirmar o papel desse sentido no controle alimentar, os cientistas criaram camundongos geneticamente modificados que não possuíam TLR5 nas células PYY, sem alterar o restante do corpo. Os resultados:
- Esses animais comiam refeições maiores e por períodos mais longos.
- Apresentaram ganho de peso significativo em relação aos camundongos normais, tanto machos quanto fêmeas.
- O efeito ocorreu mesmo em camundongos criados sem nenhuma bactéria no intestino — ao injetar flagelina diretamente, o apetite ainda era reduzido.
Além disso, o estudo mostrou que a ação desse mecanismo é independente do sistema imunológico, não estando ligada a inflamações ou respostas imunes.
Por que isso importa?
O estudo sugere que o “sentido neurobiótico” pode ajudar a explicar a relação entre desbalanços na flora intestinal e distúrbios alimentares, como obesidade e compulsão alimentar. Ao compreender como o intestino envia esses sinais, futuros tratamentos podem regular o apetite sem uso de medicamentos agressivos, atuando diretamente nessa comunicação natural entre intestino e cérebro.
Segundo os autores, os próximos passos incluem investigar como esse sistema funciona em humanos e se pode ser estimulado por terapias ou dietas específicas para controlar a ingestão de alimentos.