Uma organização criminosa de origem venezuelana, o Tren de Aragua, está avançando em território brasileiro e estabelecendo alianças estratégicas com facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho (CV). A atuação do grupo deixou de ser um problema localizado na fronteira com a Venezuela e ganha dimensões nacionais, com indícios de presença em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A prisão de Andrés Marcelo Mendez Perez, de 34 anos, em Chapecó (SC), é apontada por autoridades como mais uma evidência dessa expansão. Procurado por envolvimento no assassinato de um adolescente venezuelano em Boa Vista (RR) em 2020, Perez foi encontrado trabalhando em um frigorífico e portava drogas no momento da abordagem. Em sua casa, a polícia encontrou cocaína, maconha e balança de precisão, reforçando as suspeitas de envolvimento com o tráfico.
Facção criminosa se fortalece com a crise migratória
O Tren de Aragua nasceu em 2005 em um sindicato ferroviário na Venezuela e, a partir de 2013, usou o presídio de Tocorón como base operacional. Seu principal líder, Héctor “Niño Guerrero”, segue foragido. A crise humanitária venezuelana e o fluxo migratório facilitaram a infiltração da facção em países como Colômbia, Peru, Bolívia, Estados Unidos — e agora, de forma intensa, no Brasil.
Instalado inicialmente em Boa Vista, o grupo passou a dominar o tráfico de drogas, prostituição e extorsões, principalmente entre os próprios venezuelanos refugiados. Investigações revelam que quem não paga dívidas ou tenta deixar a facção é morto, frequentemente de forma cruel. Esquartejamentos, corpos envoltos em colchões e sacos plásticos, cemitérios clandestinos e execuções por metas não cumpridas foram registrados em Roraima.
Alianças perigosas com o PCC e o CV
A posição estratégica na fronteira em Pacaraima (RR) colocou o Tren de Aragua em um ponto crucial para o tráfico de drogas e armas, que abastece Manaus, o Rio de Janeiro e garimpos ilegais na Amazônia. Segundo a polícia, há trocas comerciais constantes com o PCC e o Comando Vermelho, sem exclusividade com nenhuma das organizações.
O delegado Leonardo Cruz Barroncas relatou que a facção utiliza “trouxeiros” — homens e mulheres que transportam entorpecentes a pé por trilhas na mata. O fluxo financeiro dessas operações já foi identificado, e parte das armas e drogas está sendo vendida para mineradores ilegais e grupos armados na floresta.
Um dos casos mais simbólicos da presença do grupo na Amazônia é a prisão de Antonio José Cabrera, acusado de liderar o Tren no Brasil ao lado do irmão, Daniel. Ambos estão presos em Roraima e são apontados como mandantes do assassinato de um ex-integrante da facção, Gregori José del Nazareth Puerta Alvarez, que havia migrado para o PCC. A defesa nega as acusações e diz que Antonio é alvo de perseguição desde 2022.
Ameaça global: EUA já classificam o Tren como grupo terrorista
Diante da brutalidade e da internacionalização de suas ações, o governo dos Estados Unidos classificou o Tren de Aragua como organização terrorista em janeiro de 2025. A medida serviu de base para deportações de suspeitos em países da América Central, como El Salvador.
No Brasil, a expansão da facção é vista com crescente preocupação por autoridades federais e estaduais. Segundo o delegado Oliveira, a falta de checagem de antecedentes dos refugiados venezuelanos permitiu a entrada de criminosos, embora a maioria dos migrantes não esteja envolvida em crimes. Paradoxalmente, os principais alvos da violência do Tren no Brasil são os próprios venezuelanos, vítimas de dívidas, denúncias ou desobediência à facção.
As autoridades temem que a prisão de Perez em Santa Catarina represente apenas a ponta de um iceberg, e que a facção já tenha células operacionais em vários estados do país. O cenário exige ação coordenada entre polícias estaduais, federal e órgãos de inteligência, já que o Tren de Aragua se apresenta como uma das maiores ameaças transnacionais à segurança pública na América Latina.