A Lua deixou de ser apenas um símbolo de conquista espacial e passou a ser considerada uma fonte estratégica de recursos raros. Entre eles, o hélio-3, um isótopo leve e não radioativo do hélio, tem despertado o interesse de governos, cientistas e empresas privadas.
Recentemente, a Bluefors, líder mundial em sistemas de refrigeração ultrafria, firmou um acordo com a Interlune, startup norte-americana de mineração espacial, para a compra de até 10 mil litros de hélio-3 por ano, entre 2028 e 2037. O contrato, avaliado em mais de US$ 300 milhões, é considerado o primeiro compromisso comercial de grande escala envolvendo o recurso lunar.
O hélio-3 é extremamente raro na Terra. Atualmente, a produção global depende do decaimento de trítio em estoques nucleares, o que gera apenas alguns milhares de litros anuais — muito abaixo da demanda projetada para indústrias emergentes.
Na Lua, porém, o cenário é diferente. Como o satélite não tem campo magnético protetor, o vento solar depositou hélio-3 na camada superficial de poeira lunar ao longo de bilhões de anos. Estima-se que haja milhões de toneladas do isótopo disponíveis, ainda que em concentrações muito baixas no solo.
Na prática, o hélio-3 é fundamental para:
- Computação quântica: usado em refrigeradores de diluição que resfriam qubits a temperaturas próximas do zero absoluto.
- Medicina: quando hiperpolarizado, melhora a qualidade de exames de imagem, como algumas ressonâncias magnéticas.
- Segurança: aplicado em detectores de radiação e sistemas de vigilância nuclear.
- Energia limpa (no futuro): teóricos apontam que reatores de fusão com hélio-3 poderiam gerar eletricidade quase sem resíduos radioativos.
Hoje, o preço da substância pode variar entre US$ 2 mil e US$ 15 mil por litro — chegando a US$ 150 mil por grama. Para comparação, o ouro é negociado a cerca de US$ 120 o grama.
O desafio da mineração lunar
Apesar do potencial, transformar o hélio-3 em produto comercial exige superar barreiras técnicas. O isótopo está disperso em concentrações de partes por bilhão no regolito lunar. Para extrair poucos litros, seria necessário processar volumes de solo equivalentes a uma piscina olímpica cheia de poeira lunar.
O método envolve escavar, aquecer a terra a altas temperaturas, liberar os gases aprisionados e separar o hélio-3 do hélio-4 e de outros elementos. Esse processo requer equipamentos resistentes a condições hostis: poeira abrasiva, baixa gravidade e temperaturas extremas.
A Interlune aposta em colheitadeiras móveis e compactas, capazes de aquecer e filtrar o solo de forma contínua. A empresa já realizou testes em voos de gravidade reduzida e trabalha para adaptar maquinário terrestre ao ambiente lunar.