Uma área que cobre metade da superfície da Terra e até hoje não tinha dono nem lei finalmente ganhará regras globais. O Tratado do Alto-Mar, adotado pela ONU após quase duas décadas de negociações, atingiu o número mínimo de ratificações e entrará em vigor em janeiro de 2026. O acordo estabelece normas juridicamente vinculantes para a proteção da biodiversidade marinha em águas internacionais, que representam cerca de 60% dos oceanos.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, classificou a ratificação como um “marco histórico para o multilateralismo” e uma “tábua de salvação para o oceano e para a humanidade”. Segundo ele, o tratado ajudará a enfrentar a crise climática, a perda de biodiversidade e a poluição que ameaçam a vida marinha.
O acordo, oficialmente chamado de BBNJ (Biodiversity Beyond National Jurisdiction), cria instrumentos para a conservação e uso sustentável dos recursos em alto-mar. Ele prevê a criação de áreas marinhas protegidas, o compartilhamento dos benefícios de recursos genéticos — com impacto em setores como a indústria farmacêutica e cosmética — e maior cooperação científica entre países.
Do “faroeste” ao controle internacional
Até agora, o alto-mar, que começa a 370 quilômetros da costa, funcionava como um “território sem lei”. Sem jurisdição definida, era possível pescar, explorar recursos e navegar sem normas específicas. “Esse espaço, por onde passam milhares de navios todos os dias, era um verdadeiro faroeste”, compara Olivier Poivre d’Arvor, embaixador francês para os oceanos.
Com o novo tratado, qualquer atividade em águas internacionais passará a ser regulada. Haverá possibilidade de sanções para impactos ambientais que prejudiquem a biodiversidade marinha.
Entraves e próximos passos
Embora mais de 140 países tenham assinado o documento, potências marítimas como Estados Unidos e Rússia ainda resistem. Washington assinou o texto, mas sua ratificação é incerta sob o governo Donald Trump. Moscou sequer aderiu.
Especialistas alertam que, apesar de o acordo entrar em vigor em 2026, as primeiras áreas marinhas protegidas só devem ser criadas entre 2028 e 2029, após negociações entre o órgão internacional responsável e entidades como a Autoridade Internacional de Fundos Marinhos, que regula a mineração em águas profundas.
Mesmo com os desafios, ambientalistas consideram o tratado um avanço crucial. “Nosso oceano é a base da existência. Hoje demos um passo decisivo para salvar nosso futuro”, declarou Inger Andersen, diretora do Programa da ONU para o Meio Ambiente.