A engenharia, tradicionalmente uma das carreiras mais valorizadas e símbolo de status no Brasil, enfrenta uma crise sem precedentes. De acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o país pode registrar um déficit de até um milhão de engenheiros até 2030. O alerta vem acompanhado de um dado preocupante: as matrículas em cursos de engenharia caíram 30% entre 2015 e 2024, passando de 1,2 milhão para 887 mil.
O cenário é ainda mais grave na engenharia civil, área essencial para obras de infraestrutura, saneamento e habitação — pilares de programas como o Minha Casa, Minha Vida e o Reforma Casa Brasil. Nesse setor, as matrículas despencaram 52% no período analisado.
A redução do número de formandos ocorre justamente quando o país se prepara para ampliar investimentos públicos em infraestrutura, impulsionados pelo BNDES e por novas políticas de crédito habitacional. “Sem engenheiros, programas como o Minha Casa, Minha Vida e o novo PAC se tornarão inviáveis”, alerta Vinicius Marchese, presidente do Confea à Revista Veja.
Atualmente, a média salarial de um engenheiro civil gira em torno de R$ 7 mil, podendo ultrapassar R$ 15 mil com mais de 10 anos de experiência. Ainda assim, a profissão perdeu apelo entre os jovens.
Jovens desinteressados e evasão universitária preocupam setor
Pesquisas do Instituto Locomotiva apontam que apenas 12% dos alunos do ensino médio pretendem cursar engenharia. Além da baixa procura, a evasão é elevada: de cada 100 ingressantes, apenas 35 se formam. Especialistas atribuem o problema à defasagem no ensino básico de matemática e física, às dificuldades financeiras e a currículos pouco atrativos.
“Além de gerar renda, o estágio ajuda o jovem a aplicar na prática o que aprende”, defende Maíra Saruê em entrevista à Revista Veja, diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva, sugerindo que ampliar programas de estágio seria uma solução para reduzir a desistência.
A migração de engenheiros para o mercado financeiro também contribui para o esvaziamento da profissão. Na Escola Politécnica da USP, mais da metade dos formados atua como financista, e em todo o Brasil, apenas 40% dos egressos solicitam registro profissional nos conselhos regionais.
Empresas lutam para preencher vagas
Gigantes nacionais como Gerdau e Vale sentem o impacto direto da escassez. A Vale emprega 6.400 engenheiros e precisa contratar cerca de 600 por ano para manter suas operações, mas o número de formandos na área de engenharia de minas caiu 36% em oito anos.
Já a Gerdau, que oferece 300 vagas de estágio anuais em engenharia, criou o projeto Engenheiros do Amanhã, que concede bolsas e estágios a alunos do ensino médio para estimular o ingresso na carreira.
Mesmo a área de tecnologia, que registrou crescimento expressivo — com alta de 1.400% nas matrículas em engenharia de software —, ainda enfrenta falta de profissionais. A Uber, por exemplo, contratou 190 engenheiros no Brasil e pretende chegar a 700 até 2026, mas reconhece a dificuldade em atrair talentos.




