No dia 8 de setembro, o Itaú Unibanco anunciou a demissão de cerca de mil funcionários, após revisar condutas relacionadas ao trabalho remoto e ao registro de jornada. A decisão, justificada pelo banco como consequência de baixa produtividade no home office, levantou questionamentos sobre a continuidade desse modelo no Brasil.
Segundo o Itaú, parte dos trabalhadores em regime remoto registrava atividade digital diária inferior a 20%, mesmo declarando horas extras. O banco, que tem mais de 96 mil funcionários, disse ter analisado por quatro meses dados de softwares corporativos, incluindo uso de e-mails, pacotes Office, chamadas de vídeo e sistemas internos.
“Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco”, afirmou a instituição em nota.
Monitoramento digital em debate
A decisão gerou reação do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, que criticou a falta de transparência no processo. Para a presidente Neiva Ribeiro, “não é razoável usar mecanismos de vigilância para justificar cortes em massa sem advertências prévias”.
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que softwares como XOne, Time Doctor e Teramind se popularizaram desde a pandemia, permitindo medir tempo de uso do computador, cliques e abertura de programas. Embora legais, essas ferramentas são alvo de críticas pela possibilidade de análises injustas.
Produtividade: entregas ou horas de tela?
O professor Marcelo Graglia, da PUC-SP, lembra que algoritmos avaliam apenas dados quantitativos, ignorando aspectos qualitativos do trabalho:
“O risco é transformar o ambiente corporativo em um reality show, onde os funcionários simulam atividades só para parecer produtivos. Isso mina a confiança e pode gerar burnout e perda de talentos.”
Já a consultora Thatiana Cappellano defende que o foco deveria ser nas entregas e resultados, e não apenas nas horas diante da tela.
Impactos no mercado de trabalho
O episódio preocupa trabalhadores e especialistas, pois pode servir de precedente para outras empresas. Um levantamento do Insper mostra que, em 2020, o home office chegou a mais de quatro dias por semana. Em 2025, a média caiu para 2,3 dias semanais, mas ainda 71% dos profissionais trabalham remotamente ao menos uma vez por semana.
Para a professora Tatiana Iwai, do Insper, a decisão do Itaú pode alimentar a desconfiança empresarial em relação ao trabalho remoto:
“Quando uma empresa desse porte toma uma decisão tão drástica, outras acabam se sentindo autorizadas a rever ou restringir o home office. O problema é que isso pode ser feito de forma precipitada, sem considerar o impacto na cultura organizacional e na relação de confiança com os trabalhadores.”
Futuro em aberto
Embora a medida do Itaú não signifique o fim do home office, especialistas acreditam que o modelo passará por ajustes. Setores como tecnologia tendem a manter forte presença remota, enquanto áreas comerciais e de atendimento seguem pressionadas pelo retorno ao presencial.
O caso também evidencia a necessidade de critérios claros, métricas adequadas e feedback contínuo para que o trabalho remoto continue viável sem abrir espaço para vigilância excessiva ou demissões em massa.