Disputas por imóveis herdados são comuns nos tribunais brasileiros. Normalmente, os bens de herança ficam em condomínio, ou seja, sob titularidade de todos os herdeiros, com direitos iguais. Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que esse regime pode ser superado quando apenas um dos herdeiros demonstra posse exclusiva e contínua do imóvel, sem oposição dos demais.
Nessa situação, mesmo que o bem esteja registrado em nome de todos, é possível pedir a usucapião, instituto jurídico que transforma a posse prolongada em propriedade definitiva.
Para que o herdeiro seja reconhecido como dono único, os tribunais analisam se ele exerce, de fato, os atributos da propriedade. Entre os principais indícios estão:
- pagamento integral de IPTU, contas de consumo e demais tributos;
- realização de reformas e melhorias estruturais;
- manutenção contínua do imóvel;
- restrição de uso pelos demais herdeiros.
Além disso, é necessário respeitar os prazos legais:
- 15 anos de posse exclusiva e ininterrupta (usucapião extraordinária);
- 10 anos, se o herdeiro residir no imóvel ou tiver feito obras de caráter produtivo.
A posse deve ser mansa e pacífica, ou seja, sem contestações dos demais sucessores.
Precedentes judiciais
O ministro Marco Aurélio Bellizze, em julgamento de 2019, destacou que “a coabitação pacífica entre os herdeiros não se confunde com posse exclusiva”. Para ele, quando um herdeiro afasta os demais e age com animus domini (intenção de dono), a usucapião pode ser reconhecida.
Em 2021, o TJ-SP reconheceu o direito de um homem que morava sozinho em imóvel herdado por mais de 20 anos, arcando com todas as despesas. O tribunal extinguiu o condomínio hereditário e transferiu a propriedade apenas para o ocupante.
Diferença entre posse e detenção
É importante distinguir posse de mera detenção. O Código Civil define como possuidor aquele que exerce algum dos poderes da propriedade (art. 1.196). Já o detentor (art. 1.198) é quem apenas conserva o bem em nome de outra pessoa, sem intenção de ser dono.
Por isso, o herdeiro interessado deve comprovar que age como proprietário de fato, e não apenas como cuidador do imóvel.
O que a decisão do STJ significa?
O posicionamento do STJ abre caminho para que herdeiros que sustentam sozinhos um imóvel herdado — pagando tributos, mantendo e usando o bem de forma exclusiva — possam obter a propriedade definitiva, mesmo que outros sucessores constem no registro.
A medida reforça a função social da propriedade e premia quem, de fato, dá utilidade e preserva o patrimônio familiar.