Uma vacina personalizada para tratar o câncer, desenvolvida com a mesma tecnologia das vacinas contra a COVID-19, está gerando grande expectativa na comunidade científica internacional. O tratamento inovador, que utiliza RNA mensageiro (mRNA) para estimular o sistema imunológico a combater tumores, está em fase avançada de testes — inclusive com participação de centros de pesquisa no Brasil.
A nova vacina, conhecida como mRNA-4157 (V940), é desenvolvida com base no perfil genético de cada paciente. A técnica envolve a coleta de uma amostra do tumor e de sangue do indivíduo, possibilitando a identificação de neoantígenos — mutações específicas nas células cancerosas que podem ser reconhecidas pelo sistema imunológico.
Uma revolução personalizada
A partir dessa análise, o material genético é sequenciado com o auxílio da inteligência artificial, permitindo a criação de uma vacina sob medida para cada caso.
“É como oferecer um tratamento de alta gastronomia, comparado ao fast food da medicina tradicional”, compara a oncologista Heather Shaw, coordenadora do estudo no Reino Unido. Segundo ela, o método é “infinitamente mais inteligente” que as vacinas convencionais, pois treina o corpo a reconhecer alvos muito específicos e exclusivos do câncer do paciente.

Foco inicial no melanoma
O ensaio clínico mais avançado está sendo conduzido pela University College London Hospitals (UCLH) e já alcançou a fase 3 — a última antes da possível aprovação para uso comercial. Nesta fase, a vacina está sendo testada em pacientes com melanoma, um tipo agressivo de câncer de pele que mata mais de 50 mil pessoas por ano no mundo. No Brasil, que também participa do estudo, o melanoma representa uma preocupação crescente entre os tipos de câncer de pele.
Os pacientes recebem até nove doses da vacina personalizada em intervalos de três semanas, combinadas com o medicamento Keytruda (200mg), já utilizado na imunoterapia convencional. O objetivo é evitar a recorrência da doença, oferecendo uma resposta imune duradoura e eficaz.
Resultados promissores e expansão dos testes
Os primeiros resultados, da fase 2, mostraram que o risco de retorno do câncer foi significativamente reduzido nos pacientes vacinados. Agora, com a fase 3 em andamento, a expectativa é incluir cerca de 1.100 voluntários em todo o mundo, sendo que o Brasil integra esse esforço global com centros próprios de pesquisa.
Além do melanoma, os cientistas estudam a eficácia da tecnologia mRNA no tratamento de outros tipos de câncer, como os de intestino, pulmão, bexiga e rins. “Nunca estivemos tão perto de alcançar uma vacina contra o câncer”, afirma a médica Victoria Kunene, envolvida em testes para o câncer de intestino no Reino Unido.
Desafios e perspectivas
Apesar do otimismo, os especialistas alertam que o custo do tratamento ainda pode ser um obstáculo. O processo de sequenciamento genético e produção individualizada encarece a vacina, tornando sua implementação em larga escala um desafio para os sistemas de saúde — especialmente os públicos.
No entanto, os efeitos colaterais aparentam ser bem mais leves do que os provocados por tratamentos como a quimioterapia, o que pode representar um alívio significativo para os pacientes.
O britânico Steve Young, um dos primeiros voluntários, já recebeu cinco doses da vacina e compartilha sua trajetória nas redes sociais com otimismo. Músico e professor, ele transformou sua experiência em melodia e vai lançar um álbum chamado “Famoso por um dia”, cuja renda será revertida para as pesquisas.
A expectativa é que os resultados conclusivos do estudo sejam divulgados até 2030, podendo marcar o início de uma nova era na oncologia.